Jussara Soares
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Jussara Soares

Em Brasília desde 2018, está sempre de olho nos bastidores do poder. Em seus 20 anos de estrada, passou por O Globo, Estadão, Época, Veja SP e UOL

À espera de denúncia, Cid teme queda do sigilo de delação

Depoimento de ex-ajudante de ordens de Bolsonaro embasou investigação

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À espera da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre uma suposta trama golpista, o tenente-coronel Mauro Cid teme pelo levantamento do sigilo da colaboração premiada. Os depoimentos do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) foram fundamentais para a investigação.

Embora trechos da colaboração se tornaram públicos nos relatórios da Polícia Federal (PF), grande parte do conteúdo segue em segredo de justiça.

A preocupação do ex-ajudante de ordens, segundo apurou a CNN, é o grau de exposição com o acesso aos detalhes de suas declarações à Polícia Federal sobre a dinâmica da suposta trama golpista envolvendo Bolsonaro, integrantes de seu governo e aliados. Mauro Cid prestou mais de dez depoimentos.

O acordo

O acordo de colaboração premiada foi homologado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em 9 de setembro de 2023. Ao firmar o acordo, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro deixou a prisão. Ele estava preso desde 3 maio do mesmo ano, depois de ser alvo de investigação que apura a inserção de dados falsos nos cartões de vacina do ex-presidente.

No primeiro depoimento da delação, o ex-ajudante de ordens citou nove dos 40 indiciados pela Polícia Federal por suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

Segundo o ex-ajudante de ordens, depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), três grupos gravitavam em torno de Bolsonaro.

De acordo com Mauro Cid, o primeiro grupo era de “conservadores”, que teriam uma linha política. A intenção desse grupo era transformar Bolsonaro em um “grande líder da oposição”. Alguns dos integrantes seriam o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Bruno Bianco, ex-advogado-geral da União.

Havia ainda os “moderados”, que diziam não concordar com “as injustiças” do Brasil, mas não eram a favor de uma intervenção radical. “Entendiam que nada poderia ser feito diante do resultado das eleições, qualquer coisa em outro sentido seria um golpe armado”, afirma Cid. Participantes incluíam o general Freire Gomes, então comandante do Exército, além do general Paulo Sérgio Nogueira, que era ministro da Defesa.

O terceiro grupo, segundo a delação, era composto por “radicais”, que era dividido em dois núcleos: um que seria a favor de ir atrás de uma suposta fraude nas urnas. Outra parcela “era a favor de um braço armado”. Estavam inclusos, de acordo com o documento, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, e o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde.

Cid cita ainda como parte da ala mais radical e que conversava “constantemente com o ex-Presidente, instigando-o para dar um golpe de Estado” a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

O ex-ajudante de ordens, por duas vezes, esteve ameaçado de perder os benefícios da delação. Em março de 2024, Mauro Cid ficou sob risco de perder a delação premiada após áudios vazados em que ele critica Alexandre de Moraes e a Polícia Federal (PF).

Após prestar depoimento a Moraes no dia 22 daquele mês para explicar o vazamento dos áudios publicados pela revista “Veja”, o militar foi preso novamente. Ele passou mal e chegou a desmaiar na audiência.

Mauro Cid foi solto em 3 de maio do ano passado por decisão de Alexandre de Moraes, que manteve integralmente o acordo de delação premiada.

Na decisão, o ministro citou que o ex-ajudante de ordens reafirmou a “voluntariedade a legalidade do acordo” e ressaltou que os áudios divulgados pela revista Veja “se tratavam de mero ‘desabafo’”.

Em novembro, o ex-ajudante de ordens teve de prestar esclarecimentos ao ministro Alexandre de Moraes após a Polícia Federal apontar contradição em suas declarações.

O acordo foi mantido após Mauro Cid dar detalhes da participação do general Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro na disputa pela Presidência em 2022.

O ex-ministro da Casa Civil e da Defesa acabou sendo preso em dezembro pela Polícia Federal e está preso em uma unidade do Exército no Rio de Janeiro.