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    Brasil e China assinam acordos para viabilizar transação direta entre real-yuan; entenda

    Expectativa é reduzir custos ao excluir dólar em operações, além de promover o comércio bilateral e facilitar investimentos chineses por aqui

    Tamara Nassifda CNN , em São Paulo

    O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o mandatário chinês Xi Jinping assinaram, nesta sexta-feira (14), cerca de 20 acordos bilaterais visando fortalecer as relações econômicas sino-brasileiras.

    Dois deles estreitam o relacionamento monetário entre os países, com a viabilização de transações comerciais de câmbio direto entre o real brasileiro e renminbi (RMB) — nome oficial da moeda chinesa, mais conhecida no mundo ocidental como yuan. A expectativa é reduzir os custos ao excluir o dólar da operação, além de promover o comércio bilateral e facilitar investimentos por aqui.

    O primeiro, antecipado no último dia 29 de março, coloca o sino-brasileiro Bank of Communications BBM (Bocom BBM) no CIPS (China Interbank Payment System), a alternativa chinesa ao ocidental Swift, que conecta milhares de instituições financeiras em todo o mundo. Com isso, o Brasil será o primeiro país da América Latina a ter acesso ao sistema chinês.

    “Assinamos o acordo para ser membro. O sistema vai estar plenamente operacional na segunda metade do ano. Nossa meta é que seja algo ao redor de julho”, disse à Reuters Alexandre Lowenkron, presidente-executivo do Bocom BBM.

    O segundo, assinado via Memorando de Entendimentos (MoU), institui a sucursal brasileira do Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) como um banco de compensação do RMB no país — ou, nas palavras do Banco Popular da China, um “offshore clearing bank”.

    Em nota à CNN, o Banco Central do Brasil avalia que o acordo traz benefícios como o aumento da liquidez da moeda chinesa no Brasil, a manutenção de reservas cambiais em moeda forte no país, a redução de intermediários nos pagamentos internacionais e aproximação do sistema de pagamentos local ao chinês.

    A autoridade monetária ressalta que “não se trata de um sistema de pagamentos de transações comerciais, mas um instrumento que permite que as transações sejam feitas em RMB e convertidas em reais de forma mais rápida e menos custosa.”

    De acordo com um relatório divulgado em novembro do ano passado pelo Banco do Povo da China (PBC, o banco central chinês), já existem 27 “clearing houses” da moeda chinesa fora da China em 25 países, como Canadá, Alemanha, França, Catar, Austrália e até os Estados Unidos. A primeira delas foi iniciada em Hong Kong em 2003.

    Na América do Sul, Chile e Argentina já detêm esse tipo de laço com o gigante asiático.

    ‘Boa notícia’

    Os acordos têm sido entendido como uma boa notícia por especialistas consultados pela CNN, à medida que estreita as relações Brasil-China e oferece uma alternativa à moeda norte-americana e suas flutuações.

    “É uma notícia muito boa para os dois países. Para o Brasil, é aquela velha história de não colocar todos os ovos em uma cesta só”, afirma Isabela Nogueira, professora do Instituto de Economia da UFRJ e coordenadora do LabChina (Laboratório de Estudos em Economia Política da China), núcleo também vinculado à federal fluminense.

    “Reduzir o ponto de intermediação, que significa duas conversões, reduz os custos de transação. Nesse sentido, não é só o yuan que traria benefícios para o Brasil, mas qualquer tentativa com outros países que diversifique a moeda transacional.”

    Para a China, porém, a medida enverga também para a seara geopolítica. Reduzir a dependência do dólar e aumentar a circulação do yuan é uma das principais linhas de atuação da política externa do governo Xi Jinping, que afirma desejar um “mundo plurimonetário” — ou seja, com opções de moedas para transações bilaterais além do dólar.

    “Isso é uma tentativa de contornar o poder estrutural do dólar no sistema monetário internacional, que dá aos Estados Unidos, na prática, o poder de interferir no raio de manobra dos demais Estados ao explorar a dependência da moeda, ou eventualmente impor sanções”, explica Nogueira.

    Isso foi demonstrado, segundo a especialista, na Guerra na Ucrânia, com a apelidada “bomba-dólar”. Desde a invasão ao território ucraniano, Estados ocidentais têm imposto sanções econômicas à Rússia como forma de conter — ou tentar — o conflito, e o bloqueio de US$ 300 bilhões do total de US$ 640 bilhões de reservas internacionais russas veio para minar alguns dos recursos financeiros do país.

    “É uma arma muito efetiva, disponível só para os Estados Unidos, porque só eles têm um poder estrutural assim na economia global. A moeda pode se converter em um instrumento de coerção. Nesse sentido, a China está cavando uma pequena trincheira para conseguir fazer frente ao dólar, pressionando países para a criação de clearing houses.”

    Bruno de Conti, livre-docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Brasil-China (CEBC) da mesma universidade, faz uma análise semelhante.

    “A China está cavando um espacinho com a clearing house no Brasil. A retórica do governo chinês é de que não se trata de um confronto com o dólar, mas um passo em direção ao mundo plurimonetário que eles defendem. Nunca dizem que estão enfrentando o dólar, porque, de fato, ainda não têm condições para isso”, afirma ele. “O dólar é, de longe, a moeda mais importante do globo.”

    A moeda norte-americana é usada em 88% de todas as transações globais, de acordo com a última pesquisa trienal do Bank for International Settlements (BIS), publicada em 2020. O yuan, por outro lado, fica com 7%.

    “É esse privilégio exorbitante dos Estados Unidos que alguns países estão tentando combater. É uma iniciativa tímida, mas que vai nesse sentido”, diz Conti.

     

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