Em resposta à UE, Brasil quer blindagem ambiental e flexibilidade em compras públicas
Para acatar os pleitos adicionais feitos pelos europeus na área de meio ambiente, governo pretende se proteger de novas legislações europeias contra a importação de produtos agrícolas
O documento formulado pelo Brasil como resposta sobre o acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia contém exigências de compensação aos pedidos feitos pelos europeus na área ambiental e prevê autorização para que o país exija contrapartidas de fornecedores em compras governamentais ao longo de 16 anos.
A CNN apurou o teor da proposta brasileira, que foi enviada para análise dos parceiros do Mercosul, com duas fontes com acesso direto ao tema.
Para acatar os pleitos adicionais feitos pelos europeus na área de meio ambiente, que envolvem metas para redução de desmatamento acima dos compromissos fechados no âmbito do Acordo de Paris, o Brasil pretende se proteger de novas legislações europeias contra a importação de produtos agrícolas.
Uma lei já aprovada pelo Parlamento Europeu determina a proibição de entrada, na UE, de produtos provenientes de áreas com qualquer desmatamento — legal ou ilegal — ocorrido depois de 31 de dezembro de 2020.
A regra vale para produtos como carne bovina, madeira e derivados, soja, café, cacau, borracha e palma. Os países serão classificados por Bruxelas como de baixo, médio ou alto risco. Exportadores precisarão comprovar que não houve desmatamento em nenhuma etapa de sua cadeia produtiva, incluindo fornecedores.
Na resposta à UE, sem mencionar diretamente essa legislação, o Brasil quer que Bruxelas classifique o Mercosul como zona de “baixo risco” no caso de novas regras. Além disso, o Brasil propõe um sistema de compensação a eventuais punições.
Caso a UE entenda ser necessário restringir a cota de comercialização do Brasil de determinado produto por indícios de que ele teve origem em área desmatada, a Europa deve elevar a cota de importação de outro bem de forma equivalente.
Os termos propostos são uma resposta do Brasil à “side letter” enviada pela UE que, na prática, reabriu o debate em torno dos termos do acordo costurado pelos dois blocos em 2019. O Brasil decidiu, porém, não se limitar a reparos na questão ambiental.
O documento também prevê uma modificação em alguns pontos de compras governamentais. O Brasil não sugere modificações no capítulo que rege o tema, mas no anexo da proposta brasileira que acompanha essa seção. Cada país signatário tem um documento adicional que estabelece algumas condições a serem seguidas.
Neste ponto, o Brasil decidiu promover mudanças na cláusula de “offsets”, contrapartidas exigidas de fornecedores para compra de bens ou serviços, como transferência de tecnologia ou produção de conteúdo local.
O acordo permitia que o Brasil pudesse lançar mão desse tipo de política durante oito anos. O Brasil agora propõe que esse período seja ampliado para 16 anos. Com isso, compras de ministérios como Defesa, Saúde, Transportes, Portos, Minas e Energia, Ciência e Tecnologia poderão ter cláusulas de contrapartida por um período ampliado.
O argumento de integrantes do governo é que, com a resposta na área ambiental, o Brasil está buscando um “reequilíbrio de forças”. Ou seja, é possível aceitar novas demandas, mas o bloco não pode ficar sem um mecanismo de compensação se houver decisão unilateral de restringir o comércio.
Há, inclusive, uma avaliação de que a postura adotada pela UE neste ponto é “discriminatória”, já que mira produtos que atingem em cheio os fornecedores brasileiros e poderia ser alvo de questionamentos na OMC (Organização Mundial do Comércio). Mas o Brasil entende que, com as propostas de compensação de cotas, há segurança para seguir com o acordo.
Do lado de compras governamentais, o entendimento é que, de fato, o Brasil precisaria melhorar sua posição negocial. Há a avaliação de que, sem orçamento para fazer política industrial, o offset é um dos poucos instrumentos à disposição do governo para alavancar investimentos em produção em setores estratégicos.