Lollapalooza Brasil deveria exigir teste de Covid-19 na entrada, dizem especialistas
Em entrevista à CNN, infectologistas e epidemiologistas apontam suas preocupações com a realização de maior evento desde início da pandemia; ambiente ao ar livre e comprovante de vacinação ajudarão a reduzir riscos
Falta menos de um mês para o retorno do Lollapalooza ao Autódromo de Interlagos, em São Paulo. De acordo com os organizadores, até 100 mil pessoas podem passar diariamente pelo festival entre os dias 25 e 27 de março.
A sexta-feira e o sábado do evento estão com ingressos esgotados. Isso já garante que este será o evento no Brasil com maior público desde o início da pandemia de Covid-19.
O Brasil ainda luta contra os impactos da onda da variante Ômicron e, em conversa com a CNN, infectologistas e epidemiologistas discutem, em termos de saúde pública, quais as preocupações para a realização do evento, além de entregarem dicas para diminuir uma potencial transmissão descontrolada do coronavírus.
A atual projeção para situação da pandemia no final de março, a restrição de apenas vacinados entrarem no local e o fato do evento ser ao ar livre são fatores cautelosamente otimistas. Mas os especialistas criticam a ausência da necessidade de se apresentar um teste negativo para a Covid-19 na entrada.
Até o momento, o maior evento realizado no Brasil desde que a Covid-19 surgiu foi o Grande Prêmio São Paulo de Fórmula 1, de acordo com o Observatório de Turismo e Eventos da SPTuris. Em novembro de 2021, 181.711 pessoas compareceram ao Autódromo José Carlos Pace, em Interlagos, na Zona Sul da capital paulista, ao longo de três dias.
A assessoria do GP São Paulo informou à CNN que não há dados isolados sobre o público presente em cada dia. Caso o domingo do Lollapalooza também atinja a capacidade máxima de lotação dos dois primeiros dias, o festival vai superar em quase 120 mil pessoas o público da Fórmula 1.
Além disso, enquanto na corrida o público estava disposto nas arquibancadas, no festival as pessoas estarão livres para circular por uma ampla área do Autódromo.
Com essas informações, o que vai definir os riscos para a realização do Lollapalooza será a situação da pandemia no Brasil no final de março, e a expectativa é, até então, otimista.
Como a pandemia deve estar no final de março
Todos os especialistas ouvidos pela CNN destacaram enfaticamente a necessidade de se ter cautela em projeções sobre a situação da Covid-19 no país, porque surpresas podem acontecer no decorrer do caminho.
“Mas a expectativa, se nós considerarmos como a Ômicron foi nos outros países, é que a partir de agora de fato a gente se mantenha numa redução de número de casos – com reflexo de redução nas internações e na mortalidade”, disse à CNN a infectologista e professora da Unicamp, Raquel Stucchi.
“Isso corresponderia a chegar no final de março com o controle aparente da pandemia. Claro, se neste intervalo de tempo, nós não tivermos uma nova variante que venha colocar toda essa projeção como não mais viável na prática”, completou.
A infectologista do Instituto Emílio Ribas, Rosana Richtmann, acrescentou que, até a data do evento, o Brasil deve ter uma população com cobertura vacinal ainda maior, e um número expressivo de pessoas que já tiveram Covid-19. “Esperamos que o vírus tenha cada vez mais dificuldade de encontrar pessoas ‘totalmente virgens’ de imunidade”, pontuou.
As aglomerações durante o feriado do Carnaval (apesar das proibições) trazem um risco de novo aumento na transmissão do vírus, e, consequentemente, um certo descontrole da pandemia, pondera a professora Stucchi.
A epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), afirma que, apesar desse possível repique do Carnaval, a situação epidemiológica no fim de março deve ser “um pouco melhor”. Mas ela pontua que “segurança é uma palavra que, em uma pandemia, é difícil de se ter garantias completas”.
Mesmo acreditando que a situação da pandemia deve estar melhor até o Lolla, o epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Eliseu Waldman, disse: “Eu tenho a impressão que não é possível ir em um evento dessas características. Acho uma irresponsabilidade.”
As regras do Lollapalooza
Em posicionamento enviado à CNN, a organização do Lolla afirmou que o festival “tem uma equipe 100% dedicada em estabelecer os cuidados e em colocar em prática os protocolos necessários”.
O comunicado também diz que será necessário apresentar o comprovante de vacinação (físico ou virtual) com, no mínimo, duas doses do imunizante contra a Covid-19. “Também será obrigatório o uso de máscara dentro do Autódromo de Interlagos, sendo que a retirada só será permitida para o consumo de alimentos e de bebidas”, acrescentam os organizadores.
Os especialistas ouvidos pela CNN apontaram que a fiscalização destas medidas sanitárias é um fator decisivo. “O comprovante vacinal deve ser levado a sério e não ‘só para inglês ver’. Observamos em vários eventos com jovens que, apesar de teoricamente ser obrigatória a apresentação, não há barreira efetiva sobre a solicitação do comprovante”, disse Rosana Richtmann, que também é membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
A professora Stucchi pontua que seria necessário discriminar a exigência vacinal, cobrando as três doses completas daqueles que já estão aptos a tomar. “Apenas a segunda dose, a gente sabe que não se entende como uma vacinação básica para a Ômicron.”
Pelas características do evento – de consumo constante de bebidas, pessoas muito próximas umas das outras e cantando –, os especialistas demonstraram, de uma maneira geral, uma descrença de que a obrigatoriedade de máscaras será efetiva.
“O aspecto atenuante é que o evento é ao ar livre, o que torna o risco mais baixo, e, se exigida a vacinação, isso melhora ainda mais. Minha dúvida pessoal é se o pessoal vai de fato usar máscara e se vai de fato ser pedido o comprovante”, pontua o professor Waldman.
Teste negativo deveria ser exigido
O epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, declarou à CNN que a Ômicron é a grande questão posta para o Lollapalooza.
“A Ômicron infelizmente transmite entre os vacinados. A gente sabe que as pessoas, mesmo estando vacinadas, podem transmitir a Ômicron e pegá-la”, disse o coordenador do EpiCovid-19, maior estudo epidemiológico sobre o vírus no Brasil.
Por esse motivo, Hallal declara que os organizadores deveriam exigir a apresentação, na entrada do evento, de um teste negativo para a Covid-19 feito nas últimas 24 horas, no máximo.
“O teste de antígeno para entrar seria também uma proteção a mais e uma garantia melhor de segurança”, afirmou a professora Maciel.
Raquel Stucchi também acredita que a obrigatoriedade do teste seria um complemento “ideal” à exigência do comprovante de vacinação.
Para além dos testes antígenos ou do tipo PCR, que são realizados por intermédio de profissionais de saúde, nessa quinta-feira (3), começaram a ser vendidos os autotestes para Covid-19 na cidade de São Paulo.
Questionada pela ausência do teste negativo entre as exigências do festival, a assessoria do Lollapalooza reforçou o posicionamento com as medidas já anunciadas.
“O Lollapalooza Brasil está em contato constante com os órgãos oficiais de saúde e de segurança pública e seguirá as recomendações vigentes no momento de sua realização”, conclui o comunicado da organização.
Prevenção para um evento mais seguro
“Como o evento vai acontecer de qualquer forma, as pessoas que pretendem ir ao Lollapalooza devem, primeiro, usar máscaras com maior poder de filtração, e levar máscaras a mais para trocar durante o período que estiver lá”, disse Raquel Stucchi.
Ela acrescenta que, idealmente, é recomendável ficar “mais para o fundo” durante os shows. “Não é o mais gostoso, que é estar no meio da multidão, mas este cuidado é necessário”, pontua.
A infectologista também pede que os participantes do festival levem um frasco de álcool em gel para higienizar as mãos, e tentem se afastar de outras pessoas – principalmente desconhecidos – ao retirar a máscara para comer ou beber.
Por fim, ela sugere que “seria prudente” aqueles que participarem do Lollapalooza evitarem, pelas duas semanas seguintes, o contato com pessoas que têm riscos de desenvolver um caso grave da Covid-19.
“Vacine-se com todas as doses previstas para o seu caso. Se estiver doente ou com sintomas gripais, tenha a responsabilidade de não ir ao evento. Se você quiser se proteger, independentemente do comportamento dos outros, use uma boa máscara”, também recomendou Rosana Richtmann.
Para além da quantidade de público na casa das centenas de milhares, o festival costuma atrair pessoas de diferentes lugares. O Centro de Inteligência da Economia do Turismo (CIET), da Secretaria de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo, informou à CNN que a expectativa é de que 52% do público seja de fora da cidade de São Paulo, 26% de outros estados e 2% de outros países.
Embora a exigência de vacinação afaste os riscos de uma possível nova variante circular, existe uma preocupação pela alta movimentação de pessoas provocada pelo evento. “As pessoas vão vir para São Paulo, andar de transporte coletivo, e aí as medidas de prevenção são ainda mais importantes”, declarou a professora Ethel Maciel.
“Nenhuma situação de aglomeração é segura e essas medidas visam minimizar a insegurança do momento”, conclui Maciel.
Esta matéria faz parte de uma série de reportagens que serão produzidas pela CNN e envolvem a primeira edição pós-Covid do Lollapalooza Brasil. Todas as produções podem ser encontradas clicando aqui.
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Edição de 2020 do Lollapalooza Chicago marcou o retorno do festival após uma interrupção de um ano provocada pela pandemia de Covid-19. • Shea Flynn / Reprodução
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Apresentação de Steve Aoki, no Lollapalooza Chicago de 2021. • Roger Ho
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Vintage Culture se apresenta no Lollapalooza Chicago de 2021. • Roger Ho
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Show do Young the Giant no Lollapalooza Chicago de 2021. • Pooneh Ghana