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    Análise: O que a crise de Covid na Coreia do Norte pode significar para Kim Jong Un

    Especialistas dizem que crise de saúde pode não prejudicar governo de Pyongyang, a depender da forma como a mídia estatal lidará com o assunto

    Eric CheungWill Ripleyda CNN

    O líder da Coreia do Norte, Kim Jong Un parece estar com problemas. Seu país anunciou um surto “explosivo” de Covid-19, reportando mais de 2 milhões de casos do que refere-se como “febre” em pouco mais de uma semana desde que o primeiro caso foi reportado.

    Em um país amplamente subdesenvolvido e famosamente isolado, com 25 milhões de habitantes, onde imagina-se que a vasta maioria dos cidadãos não estejam vacinados, há o potencial de um desastre humanitário em uma escala que poderia abalar o poder de qualquer governo no mundo.

    Mas Pyongyang não é um governo qualquer. Na verdade, alguns especialistas dizem que, ao invés de enfraquecer Kim, o surto pode fortalecê-lo – ao lhe dar uma desculpa para aumentar suas imposições.

    Kim possui à disposição uma extensa máquina de propaganda e a habilidade de bloquear informações vindas do exterior, o que poderia ajudá-lo a moldar a narrativa da crise a seu favor – assim como seus antecessores fizeram com a crise de fome nos anos 1990, que estima-se ter deixado famintos centenas de milhares de norte-coreanos até a morte. Na época, Pyongyang divulgou seus problemas como um “março árduo”, e colocou a culpa sobre enchentes e sanções impostas pelos americanos.

    Kim já está mostrando sinais de que está tentando arquitetar a nova crise. Mesmo antes de anunciar o surto, ele estava avisando seus oficiais para que se preparassem para “outro, mais difícil ‘março árduo'”. Isso pareceu uma referência às ausências severas de alimento que estão novamente surgindo no país, e provavelmente serão agravadas pelos lockdowns nas fronteiras impostos por Kim para impedir a entrada do vírus.

    Analistas também têm suspeitas sobre o momento do reconhecimento da Covid por Pyongyang. A insistência prévia de que o país era livre da Covid-19 foi fonte de ceticismo, e alguns sugerem que a abertura súbita sobre seus problemas é cronometrada deliberadamente para coincidir com uma visita à região por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, quem chegou à Coreia do Sul na quinta-feira (19).

    “O fato que Kim Jon Un escolheu anunciar publicamente a crise de saúde é revelador”, disse Lina Yoon, pesquisadora sênior na Human Rights Watch. “Pode ter sido um elemento político, obviamente.”

    Essa pode não ser a única forma de Kim garantir que Pyongyang esteja no topo da lista de assuntos da reunião do presidente americano com o novo líder do Sul, Yoon Suk Yeol.

    A inteligência de Washington sugere que Kim está planejando ou um teste nuclear, ou o lançamento de um míssil balístico intercontinental para coincidir com a visita – uma avaliação compartilhada com a Coreia do Sul, que preparou planos para responder a possíveis “provocações” de Pyongyang. Isso seria compatível com o comportamento de Kim nos últimos meses. De acordo com Seul, no mesmo dia em que a Coreia do Norte anunciou o surto, disparou três mísseis balísticos de baixo alcance nas águas entre a Península da Coreia e o Japão.

    O que permanece desconhecido é: os problemas de Kim com a Covid-19 o distrairão de fazer uma demonstração de poder, ou lhe tornarão mais agressivo?

    “Estado de emergência mais grave”

    Enquanto Pyongyang pode estar tentando chamar atenção, poucos sugeririam que está exagerando sobre o surto. De fato, a falta de relatórios oficiais até recentemente provocou ceticismo.

    A taxa de mortes até quinta-feira registrava 62 vítimas, mas especialistas dizem que o verdadeiro número pode ser muito mais alto e pode decolar.

    A mídia estatal noticiou que amostras de alguns pacientes mostraram que estão contaminados pela variante Ômicron, de alta transmissibilidade, que pode se tornar desastrosa em uma população que não está majoritariamente vacinada, e, tomando os cálculos oficiais como verdadeiros, também não tem imunidade prévia às infecções.

    É sabido que a Coreia do Norte não importou vacinas contra a Covid-19 – apesar de ser elegível para o programa global de compartilhamento de vacinas, o Covax. No último ano, ela rejeitou publicamente uma oferta de quase três milhões de doses das vacinas da Sinovac, da China, contra a Covid-19.

    Na segunda-feira (16), três aviões de carga norte-coreanos voaram até a China e voltaram, segundo oficiais do governo sul-coreano. Não se sabe o que os aviões carregavam, mas a rara viagem veio após a China afirmar que ajudaria a Coreia do Norte com o surto.

    “Não há evidências para mostrar que a Coreia do Norte tem acesso a vacinas suficientes para proteger sua população da Covid-19”, disse o pesquisador do braço da Ásia Oriental da Anistia Internacional Boram Jang.

    “Com as primeiras notícias oficiais de um surto de Covid-19 no país, continuar neste caminho pode custar muitas vidas e uma negligência inconcebível da defesa do direito à saúde.”

    Em resposta, Kim parece anormalmente disposto a admitir os problemas os quais seu país atravessa, declarando o “mais grave estado de emergência” e ordenando que todas as províncias e cidades entrem em lockdown.

    Parece improvável que isso virará a raiva da população contra ele, segundo muitos especialistas, dada a habilidade de Kim de manipular o maquinário extenso de propaganda do estado – desde que possa impedir que a crise afete diretamente as elites do país.

    “Se as elites sênior começarem a morrer em massa – há uma grande quantidade delas, e não sabemos se estão vacinadas –, pode haver questões sobre o porquê de a Coreia do Norte não ter realizado a vacinação mais cedo”, avaliou Chad O’Carroll, diretor do veículo de notícias NK News, com base em Seul.

    Desde que o surto foi anunciado, juntamente com vídeos dizendo às pessoas o que fazer caso exibam sintomas de Covid, a televisão regida pelo estado dedicou muito tempo a clipes mostrando Kim inspecionando os centros de comando epidêmico e farmácias – talvez planejados para mostrar que ele está no controle da situação.

    Teste do sistema de saúde e da liderança de Kim

    Ainda sim, Yoon, na Human Rights Watch, disse que o fato que Pyongyang está reconhecendo publicamente a crise sugere que tem “sérias preocupações” sobre o surto e o potencial de espalhamento.

    “[Coreia do Norte] tem uma população não vacinada e cronicamente desnutrida, e não tem remédios para tratar os sintomas mais básicos da Covid-19″, disse Yoon. “A Coreia do Norte é muito mais frágil do que qualquer outro país que conhecemos.”

    Yoon disse que a Coreia do Norte está pedindo urgentemente por ajuda externa, principalmente com vacinas e medicamentos, e mesmo se aceitar ajuda – ofertas apareceram tanto do Sul, quanto da Organização Mundial da Saúde (OMS) –, o processo de vacinação será provavelmente lento devido à falta de infraestrutura de transporte e estoque de imunizantes no país.

    “Será um teste para sua liderança, e exigirá com urgência criatividade na criação de histórias no aparato de propaganda norte-coreano”, dise O’Carroll da NK News.

    Uma prioridade para a mídia estatal de Kim será explicar por que as barreiras nas fronteiras falharam em manter a Ômicron do lado de fora. O’Carroll apontou que não somente esses lockdowns falharam, como há um fator dirigente nos desabastecimentos severos de alimentos os quais enfrentam países, pois impediram a entrega de grãos e fertilizantes.

    Uma opção para Kim seria fazer uma demonstração pública de humildade.

    “Vimos Kim Jon Un chorar sobre os sacrifícios da nação [no passado] – acho que é o tipo de coisa que poderia fazer para diminuir a revolta”, afirmou O’Carroll.

    “Cidadãos norte-coreanos passaram por muitas coisas”, ele disse. “A primeira coisa que ele pode fazer é pedir desculpas e assumir uma parcela da culpa.”

    Enquanto isso, se Kim está pensando em realizar uma demonstração de força com a visita de Biden, ele pode imaginar que essa será uma de suas últimas ostentações de poder.

    O’Carroll disse que o cálculo do momento do surto na Coreia do Norte sugere que uma grande parada militar no mês passado para marcar os 90 anos da fundação do exército se tornou um evento “supertransmissor.”

    Multidões observando a parada foram mostradas em vídeos, celebrando sem máscaras.

    “Sabemos que trouxeram cidadãos de toda a Coreia do Norte para ir à parada e celebrar o evento”, ele disse. “É a placa de Petri perfeita para espalhar o vírus, então acredito que a parada entrará na história do país como uma péssima ideia.”

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