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    Como legisladores tornaram quase impossível legalizar o aborto em Honduras

    Legisladores em Honduras mudaram a constituição do país para tornar virtualmente impossível a legalização do aborto no futuro

    Por Tatiana Arias, da CNN

    Nesta semana, legisladores em Honduras mudaram a constituição do país para tornar virtualmente impossível a legalização do aborto no futuro – uma medida extrema em ano eleitoral que os críticos alertam que colocará em risco ainda mais a saúde das mulheres.

    Na quinta-feira, o Congresso do país ratificou uma emenda de 21 de janeiro ao Artigo 67 da Constituição, que agora proíbe especificamente qualquer “interrupção da vida” a um feto, “cuja vida deve ser respeitada desde o momento da concepção”.

    Honduras já era um dos poucos países do mundo com uma proibição total do aborto, o que significa que a operação não pode ser realizada nem mesmo em casos de estupro ou incesto, quando o feto está gravemente deformado e se a gravidez põe em risco a vida da mãe. O uso, venda, distribuição e compra de anticoncepcionais de emergência também são proibidos.

    A nova reforma, conhecida como “Escudo contra o Aborto em Honduras” e promovida pelo Partido Nacional do presidente hondurenho Juan Orlando Hernandez, agora também cria um “escudo” legal contra futuras mudanças na proibição.

    As mudanças aumentam a exigência de votação do Congresso para modificar a lei do aborto de maioria de dois terços para três quartos. Como o Congresso unicameral de Honduras tem 128 deputados, as novas regras exigiriam que pelo menos 96 votassem em futuras alterações a esses artigos – um cenário improvável no momento, já que 86 votaram pelas emendas.

    A reforma também bloqueia qualquer tentativa futura de revogar ou modificar a mudança. “As disposições legais criadas após a entrada em vigor deste artigo que estabeleçam o contrário, serão nulas e sem efeito”, afirma a decisão da comissão parlamentar nomeada para o assunto.

    “Como mulher e mãe, sou a favor da vida e contra o aborto, quero falar em nome de quem está no ventre materno e não pode se opor”, disse Gloria Bonilla, deputada pelo Partido Liberal que votou para a mudança.

    Militantes dos direitos das mulheres condenaram veementemente a mudança. Merly Eguigure, ativista da organização hondurenha Movimiento de Mujeres por La Paz “Visitación Padilla”, disse à CNN que isso apenas reforçaria as condições perigosas para as mulheres hondurenhas.

    “A lei do escudo continuará a condenar as mulheres pobres a praticar o aborto em condições inseguras, o que pode levar à morte por um lado ou à prisão por outro”, disse Eguigure.

    De acordo com um relatório de setembro de 2020 da Organização Mundial da Saúde, os abortos inseguros são responsáveis por 4,7% a 13,2% das mortes maternas em todo o mundo, a cada ano. O relatório também observa que “as leis restritivas não são eficazes na redução da taxa de aborto.”

    Uma epidemia de violência sexual

    Embora seja difícil saber quantas mulheres e meninas menores de idade fazem abortos clandestinos em Honduras, a ONG hondurenha Women’s Rights Center estima que entre 50.000 e 80.000 desses abortos ocorrem no país a cada ano.

    O país tem uma das taxas mais altas de violência sexual do mundo – muitas vezes um fator significativo em gravidezes indesejadas. Quase uma em cada três mulheres hondurenhas com mais de 15 anos sofreu violência física e/ ou sexual de um parceiro íntimo, mostram dados dos Relatórios de Desenvolvimento Humano 2020 das Nações Unidas.

    Em 2018, os Médicos Sem Fronteiras (MSF) realizaram uma campanha de saúde com o objetivo de fornecer cuidados médicos e mentais para sobreviventes de violência sexual no México e em Honduras. Na capital hondurenha, Tegucigalpa, 90% de todos os casos de gravidez atendidos pela missão de MSF foram causados por agressão sexual.

    19% desses casos eram mães adolescentes com menos de 18 anos. “Sabemos que a gravidez na adolescência apresenta um grande risco de complicações, colocando a mãe e o bebê em risco”, disse Tania Marin, Coordenadora Médica Regional de MSF para o México e Honduras.

    A taxa de natalidade de adolescentes em Honduras é maior do que a média da região e mais do que o dobro da média global, de acordo com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

    A idade mínima para consentimento sexual legal em Honduras é 14 anos. Mas, só em 2017, 820 meninas entre 10 e 14 anos deram à luz em Honduras, de acordo com dados do secretário de saúde citados pelo HRW.

     

    Pressões políticas em um ano eleitoral importante

    No entanto, há mais de 30 anos o governo hondurenho se apega a um sistema que penaliza as mulheres com até seis anos de prisão por obterem um aborto, mesmo em casos de estupro ou incesto.

    Em fevereiro de 1997, o código penal de Honduras foi modificado para estabelecer uma pena de três a seis anos de prisão para as mulheres que fazem um aborto e para a equipe médica envolvida no processo. Em abril de 2009, o Congresso do país aprovou um projeto de lei que proíbe a anticoncepção de emergência – medida mantida pela Suprema Corte em 2012.

    A pressão de grupos religiosos hondurenhos é amplamente vista como a força política dominante na manutenção dessas leis rígidas sobre o aborto.

    “É impossível entender como o aborto é visto em Honduras sem considerar o papel desproporcional que a religião desempenha”, escreveram as pesquisadoras Amy Braunschweiger e Margaret Wurth em um relatório de junho de 2019 para a Human Rights Watch. “As igrejas cristãs conservadoras, tanto católicas quanto protestantes evangélicas, são extremamente influentes e a grande maioria dos hondurenhos pertence a uma ou a outra.”

    E especialistas de um grupo de trabalho das Nações Unidas que visitou Honduras em novembro de 2018 relataram que “tanto as igrejas católicas quanto as evangélicas têm influência significativa sobre os órgãos de decisão política e a opinião pública, inclusive na discussão da descriminalização do aborto em três circunstâncias e no levantamento da proibição da contracepção de emergência.”

    2021 é um ano de eleições importantes em Honduras, com a presidência e todas as 128 cadeiras do Congresso em disputa. Embora o aborto não seja uma questão de votação historicamente decisiva para os hondurenhos, o tópico pode ter sido particularmente delicado em meio à recente onda de decisões pró-escolha na região.

    “Aborto é assassinato, está tirando a vida de quem quer nascer”, disse o pastor Oswaldo Canales, presidente da Confraria Evangélica de Honduras, aos membros do Congresso durante uma sessão de discussão sobre o aborto em 19 de janeiro com outros líderes religiosos, incluindo um padre. da Igreja Católica.

    Honduras é um dos seis países da América Latina e do Caribe, incluindo República Dominicana, El Salvador, Nicarágua, Haiti e Suriname, que proíbem o aborto por completo, segundo dados do Instituto Guttmacher.

    Mas Neesa Medina, membro do coletivo feminista Somos Muchas, disse à CNN que acredita que sua postura extrema anti-aborto não pode durar para sempre. A lei do escudo revela um medo real do crescente movimento pró-escolha da América Latina, ela acredita.

    “Eles não percebem que é impossível impedir o futuro”, disse Medina.

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