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    Veja cinco pontos para entender o plebiscito da nova Constituição do Chile

    Chilenos vão às urnas em 4 de setembro para escolher se aprovam projeto final; voto será obrigatório

    Manifestantes em Osorno, Chile, no aniversário de dois anos dos protestos que tomaram o país em 2019 e levaram a uma nova Constituinte
    Manifestantes em Osorno, Chile, no aniversário de dois anos dos protestos que tomaram o país em 2019 e levaram a uma nova Constituinte Fernando Lavoz/NurPhoto via Getty Images

    Renata Souzada CNN

    em São Paulo

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    O processo de mudança da Constituição do Chile, iniciado há quase três anos, está se aproximando do fim. Os eleitores serão convocados às urnas em 4 de setembro para decidir se aprovam ou não o novo texto constitucional.

    Para redigir o conteúdo da nova Carta Magna, os chilenos elegeram 155 membros para compor a chamada “Convenção Constitucional”. Entre eles estão 78 homens e 77 mulheres, com idade média de 45 anos.

    O projeto final foi entregue em 4 de julho ao presidente chileno, Gabriel Boric, pela Convenção Constitucional e disponibilizado à leitura popular.

    1) Por que uma nova Constituição?

    O novo texto foi escrito para substituir a atual Constituição Política do Chile, promulgada em 1980 –durante a ditadura do general Augusto Pinochet, que se estendeu entre 1973 e 1990.

    De acordo com a historiadora Joana Salem, especialista em América Latina e doutora em história econômica pela Universidade de São Paulo (USP), o texto constitucional em vigor foi escrito por um grupo restrito de políticos e militares, incluindo o ideólogo do pinochetismo, Jaime Guzmán.

    “As liberdades do mercado são a chave mestra, ou o conceito mestre, da sociedade chilena. E essas liberdades de mercado atropelam os direitos sociais, porque o Estado, ao invés de garantir os direitos sociais, de maneira universal e gratuita, deve atuar somente complementando, subsidiando, o mercado”, explica Salem.

    Em 2020, 78% dos chilenos votaram a favor da elaboração de uma nova carta constitucional para o país. O plebiscito havia sido acordado um ano antes, quando uma onda de protestos violentos e intensa repressão se espalhou pelas ruas do Chile.

    Segundo a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Bressan, as manifestações de 2019 se pautaram, principalmente, em reivindicações por “maior intervenção do Estado, para que o Estado garantisse políticas públicas básicas a sua população, e, também, uma Constituição que se atualizasse, que desse conta de atender às demandas atuais. Além disso, uma participação social maior de minorias e dos povos indígenas que foram preservados na história do país”.

    Quase dois anos após defenderem que a Constituição de Pinochet fosse substituída, os eleitores voltarão às urnas em 4 de setembro para aprovar, ou não, o projeto final de sua nova lei suprema.

    Presidente do Chile, Gabriel Boric, posa para foto segurando texto da proposta de nova Constituição do país em Santiago / Pablo Sanhueza/Reuters (04.jul.2022)

    2) Como será o plebiscito

    A votação no plebiscito constitucional será obrigatória para todos aqueles que têm domicílio eleitoral no Chile, sendo o não comparecimento passível de multa –exceto para aqueles que comprovarem não ter votado por:

    • Doença;
    • Ausência do país;
    • Encontrar-se em um local a mais de 200 quilômetros daquele onde seu endereço eleitoral está registrado no dia do Plebiscito;
    • Outro impedimento grave, devidamente verificado perante o juiz competente.

    Essa será a primeira votação com obrigatoriedade de comparecimento no país desde 2012, quando o voto passou a ser voluntário.

    De acordo com informações da Convenção Constitucional, a pergunta feita no dia do plebiscito será: “Você aprova o texto da Nova Constituição proposto pela Convenção Constitucional?” O eleitor deverá escolher entre as alternativas “aprovar” ou “rejeitar”.

    Além disso, as autoridades chilenas discutem a possibilidade de garantir gratuidade no transporte público no dia da votação.

    3) Rejeição ao projeto

    Na última pesquisa do Painel Cidadão realizada antes do plebiscito, 49% dos entrevistados indicaram que votariam pela rejeição do texto, enquanto 39% garantiram que escolheriam “aprovação”. Além disso, 12% declararam que “não sabem/não votarão”. A pesquisa foi divulgada no último sábado (20).

    Ao realizar estimativa com o número provável de ​​eleitores para o plebiscito, a pesquisa projetou que 54% se inclinaram para a “rejeição” e apenas 46% para a “aprovação”, estreitando a diferença entre as duas opções para oito pontos.

    Segundo a professora Regiane Bressan, um dos fatores que contribuem para o índice de rejeição são notícias falsas que circulam em meio aos eleitores. De acordo com ela, a desinformação vai desde suposições de que as pessoas perderão suas propriedades até uma associação do “não” ao novo texto constitucional e o “não” dado pelos chilenos à continuidade do regime de Pinochet, em 1988.

    Além disso, Bressan aponta para o descontentamento da população com o presidente do Chile, Gabriel Boric. Há cerca de dois meses, os resultados da pesquisa Pulso Ciudadano apontaram uma queda de 8,5 pontos na aprovação da atual gestão em relação à consulta anterior.

    Gabriel Boric, presidente eleito do Chile
    Gabriel Boric, presidente do Chile / Marcelo Hernandez/Getty Images

    A aprovação do líder chileno estava em 24,3% durante a segunda quinzena de junho. Enquanto isso, reprovação do presidente aumentou 6,1 pontos, chegando a 54,6%, enquanto 19,3% não souberam avaliar.

    “Lembrando que ele foi eleito no ano passado, mas com uma diferença muito pequena em relação ao outro candidato [Jeremy Hunt], que era de uma direita mais radical. Então a gente não pode esquecer que existe uma parcela importante da população que é mais conservadora”, pondera Bressan.

    Em relação à atuação da direita no país, Joana Salem ressalta que esse grupo teve “pouco espaço, estavam em minoria na Convenção Constitucional. A estratégia da direita está sendo deslegitimar e descredibilizar a Convenção Constituinte, dizendo que foi uma bagunça, um caos, que o texto proposto é amador, que não se sustenta”.

    4) Principais mudanças

    O projeto da nova Constituição se baseia em dez pilares que reúnem “elementos fundamentais e normas mais relevantes”, segundo a convenção. São eles: democracia; inclusão; tradição institucional; garantias de direitos; liberdade; igualdade de gênero; proteção da natureza e do meio ambiente; regiões; projeção futura e economia responsável.

    “A ideia dessa nova Constituição é ampliar o papel do Estado em políticas que são consideradas fundamentais — políticas básicas para a população”, resume Bressan.

    O texto consagra, de forma inédita constitucionalmente, direitos para, entre outros, mulheres, crianças e adolescentes, pessoas de povos e nações indígenas, pessoas com deficiência, pessoas de diversidade e dissidência sexo-genéricas.

    No caso dos povos indígenas, a nova lei também prevê a formação de autonomias territoriais indígenas que garantam o exercício de direitos de autonomia, seguindo o caráter único e indivisível do país.

    Além disso, o projeto dispõe sobre direitos sexuais e reprodutivos, prevendo “entre outros, o direito de decidir livre, autônoma e informadamente sobre o próprio corpo, sobre o exercício da sexualidade, reprodução, prazer e contracepção”. O aborto também passaria a ser legal no país.

    Outro ponto importante da proposta é o fim do Senado chileno. Assim, “a Câmara de Deputados passaria a se chamar Congresso de Deputadas e Deputados, e precisaria ter 50% de mulheres”, esclarece Salem.

    Também vale destaque o estabelecimento de direitos essenciais como saúde, educação, moradia, alimentação e acesso à água –que na Constituição de Pinochet é tratada como propriedade privada.

    O novo texto cita ainda a desmilitarização da polícia e a definição do papel das Forças Armadas exclusivamente diante de agressões externas.

    Segundo Salem, a ideia é superar o padrão atual no país da chamada “ideologia da doutrina do inimigo interno”. De acordo com a historiadora, a proposta da “desmilitarização é a quebra da ideologia do inimigo interno, a queda do uso de instrumentos de guerra contra a população do próprio país e a recuperação da polícia como força pública”.

    5) O que acontece depois do plebiscito

    O resultado da votação de 4 de setembro levará a um dos dois caminhos principais: a aprovação ou rejeição do novo texto constitucional.

    No caso do texto ser aprovado, o presidente chileno deverá “convocar o Plenário do Congresso para que, em ato público e solene, seja promulgado e jurado ou prometido respeitar e acatar a Nova Constituição”, determina a Convenção Constitucional.

    Com a aprovação dessa nova Carta Magna, o “Chile vai ser o primeiro país a ter um texto constitucional extremamente inovador no aspecto da democracia paritária e, também, da ecologia, da constatação da crise climática como um ponto fundamental”, aponta Salem.

    Por outro lado, se a proposta for rejeitada, o futuro é menos previsível. O presidente Boric defende que, nesse caso, seja eleita uma nova convenção, sem a necessidade de realizar outro plebiscito para confirmar se o povo deseja substituir a Constituição, como em 2020.

    Nesse caso, outros constituintes poderiam ser eleitos, no mínimo, 125 dias após o resultado da votação de setembro.

    Bressan ressalta que também é possível que o governo tente, junto ao Parlamento, “adotar algumas propostas como emendas parlamentares. Então eles vão tentar, aos poucos, ir mudando a Constituição a partir de emendas”.

     

    *Com informações da CNN

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