Advogado tentou ocultar áudios que apontam Marcola como "traidor"

Documentos revelam tentativa de impedir que cúpula da facção tivesse acesso à gravação considerada “imperdoável” no mundo do crime

Guilherme Rajão, da CNN, em São Paulo
Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola
Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola  • Joedson Alves/Estadão Conteúdo
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Um racha entre os principais líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) expôs uma crise sem precedentes dentro da maior facção criminosa do país. Documentos obtidos pela CNN mostram que o escritório de advocacia que defendia Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, tentou impedir judicialmente a utilização de áudios considerados pela facção como um ato de “traição”.

As informações foram veiculadas pelo programa "Fantástico", da Rede Globo, e confirmadas pela CNN.

A gravação foi feita em 15 de junho de 2022, durante uma entrevista da Divisão de Segurança e Disciplina (DISED) na Penitenciária Federal de Porto Velho, e flagrou Marcola apontando Roberto Soriano, o Tiriça, como o responsável pela morte do agente federal de Execução Penal Alex Belarmino Almeida Silva, assassinado em 2016 em Cascavel (PR). A fala foi classificada por outros integrantes da facção como “caguetagem” — um rompimento das regras internas e considerado um crime imperdoável entre os membros.

Dias após a gravação, os advogados de Marcola enviaram um pedido à juíza da 13ª Vara Federal de Curitiba para o conteúdo ser desconsiderado. A solicitação solicitava a “nulidade da captação ambiental clandestina” e o desentranhamento dos autos, visando evitar que o áudio chegasse à cúpula do PCC. A defesa alegou ilegalidade na interceptação, mas a juíza Sandra Maria Correia da Silva, de Rondônia, autorizou o uso do material — inclusive nos processos que investigam a morte de Belarmino e de Melissa de Almeida Araújo, psicóloga assassinada em 2017, também no Paraná.

A crise dentro da organização revisitou durante o julgamento do assassinato de Belarmino, no começo de junho de 2025. Em depoimento, Abel Pacheco, conhecido como Vida Loka, acusou Marcola de ter delatado Soriano, dando início ao rompimento interno. “Caguetagem” é uma acusação grave no mundo do crime, e a revelação das falas de Marcola foi considerada a gota d’água.

Roberto Soriano, condenado a 23 anos e 5 meses de prisão no oitavo dia de julgamento, nega envolvimento nas execuções e declarou em plenário: “Eu não sou inimigo do PCC. Sou inimigo do Marcola”. Já a defesa de Soriano afirma que ele foi condenado com base em delações construídas, e que vai recorrer da decisão.

Nos áudios interceptados, Marcola também relembra seu papel durante a rebelião de 2001 em Taubaté, afirmando ser “filho” do diretor Guilherme Silveira e que chegou a “administrar a penitenciária”. As falas — somadas à acusação contra Tiriça — foram mal recebidas por antigos aliados e aprofundaram a ruptura entre as principais lideranças da organização criminosa.

A tentativa de ocultação da gravação não teve sucesso, e as declarações acabaram sendo usadas como peça central do julgamento, além de deflagrarem o maior racha já registrado na cúpula do PCC.

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