Adiamento é golpe
Todo democrata precisa lutar pela manutenção do calendário eleitoral e a garantia da entrega do poder ao vencedor
Como se não bastassem os problemas que já temos, Brasília começa a alimentar uma serpente peçonhenta que promete uma mordida fatal na democracia brasileira assim que sair da toca. Fala-se, cada vez com menos constrangimento, no adiamento das eleições marcadas para outubro. A postergação é uma víbora que precisa ser abatida enquanto é tempo.
O “JAIR-5” seria um golpe, um putsch. Dissimulado, pérfido, embusteiro e insidioso, mas golpe, que passa pelo questionamento ininterrupto do sistema eletrônico de apuração de votos no país, criando artificialmente um clima de suspeição. Neste momento, entram as Forças Armadas com sugestões tecnicamente equivocadas ou simplesmente inexequíveis, o que obrigaria o TSE a rejeitar e provocar nos militares uma reação de repúdio, quando se dirão “desprestigiados”. Essa fase pode estar em curso.
Como não há viabilidade e pertinência no atendimento das demandas, os militantes radicais são convocados nas redes sociais e nos eventos de 31 de julho e 7 de setembro a se revoltarem contra uma eleição “não auditável” e manipulada para dar vitória ao “candidato do sistema”, Lula.
Os militares e seus esbirros aparecem na sequência com a solução “pacificadora”, dar mais um ano de mandato aos atuais detentores de cargos públicos e colocar o pleito para o ano que vem quando “as dúvidas sobre as urnas” poderão ser sanadas. Parece golpe. E é.
No último golpe militar que conspurcou nossa democracia, em 1964, o pretexto era igualmente pacificar o país convulsionado e em risco de virar uma ditadura comunista. Soa familiar? O general Humberto Castelo Brasil, em seu discurso de posse, vaticinou: “meu procedimento será o de um chefe de Estado sem tergiversações, no processo para a eleição de um brasileiro a quem entregarei o cargo a 31/01/1966.” O Brasil tinha eleições diretas para presidente a cada cinco anos, sem interrupção, desde 1945.
A ditadura promulgou o primeiro ato institucional em 9 de abril de 1964, poucos dias após a derrubada do presidente João Goulart. O AI-1 permitiu cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos por dez anos, entre outras violações dos direitos individuais mais básicos, em nome, claro, da “segurança nacional”. Neste momento, muitos democratas ainda, erroneamente, acreditavam nas boas intenções dos golpistas, mas não demorou para perceberem o erro brutal.
No ano seguinte, houve eleições estaduais no país e os resultados frustraram os militares. Negrão de Lima (RJ) e Israel Pinheiro (MG), ligados a Juscelino Kubitschek e João Goulart, foram eleitos governadores nos seus respectivos estados. Os comandantes do país entenderam que o povo ainda não estava preparado para votar e instituíram o AI-2 que dissolvia os partidos políticos, dava super poderes ao executivo, ampliava a composição do STF para dar maioria ao regime, entre outras arbitrariedades.
Em 1967, foi tudo incorporado à nova Constituição, o que incluía o adiamento por tempo indeterminado das eleições diretas presidenciais. O povo brasileiro, que havia escolhido um presidente em 1960, só voltou a escolher seu governante supremo em 1989, quase trinta anos depois.
A tese do adiamento é estapafúrdia, descabida e abominável por aleijar a ordem democrática que os golpistas fingem defender. Todo democrata do país precisa se preparar para essa batalha definidora das próximas décadas do Brasil: a luta pela manutenção do calendário eleitoral e a garantia da entrega do poder ao vencedor legítimo, seja quem for.
Que os protagonistas dessa empreitada pensem em como seus nomes serão escritos nos livros de história e qual país pretendem deixar para seus filhos. Nos vemos em dois de outubro, nas urnas.
Fotos: Os pré-candidatos à Presidência
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O presidente Jair Bolsonaro (PL) participa de solenidade no Palácio do Planalto, em Brasília - 20/06/2022 • CLÁUDIO REIS/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
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Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente, governou o país entre 2003 e 2010 e é o candidato do PT • Foto: Ricardo Stuckert
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O candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) tenta chegar ao Palácio do Planalto pela quarta vez • FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
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Simone Tebet cumpre o primeiro mandato como senadora por Mato Grosso do Sul e é a candidata do MDB à Presidência • Divulgação/Flickr Simone Tebet
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Felipe d'Avila, candidato do partido Novo, entra pela primeira vez na corrida pela Presidência • ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
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José Maria Eymael (DC) já concorreu nas eleições presidenciais em 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018, sempre pelo mesmo partido • Marcello Casal Jr/Agência Bras
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Vera Lúcia volta a ser candidata à Presidência da República pelo PSTU. Ela já concorreu em 2018 • Romerito Pontes/Divulgação
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Leonardo Péricles, do Unidade Popular (UP), se candidata pela primeira vez a presidente • Manuelle Coelho/Divulgação/14.nov.2021
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Sofia Manzano (PCB) é candidata à Presidência da República nas eleições de 2022 • Pedro Afonso de Paula/Divulgação
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Senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS), candidata à Presidência da República - 02/08/2022 • ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
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Padre Kelmon (PTB) assumiu a candidatura à Presidência após o TSE indeferir o registro de Roberto Jefferson (PTB) • Reprodução Facebook