PEC que anistia partidos por problemas em prestação de contas é aprovada em comissão na Câmara
Aval foi dado com 45 votos a favor e 10 contra; proposta tem que ser analisada em outras comissões antes de chegar ao plenário
Foi aprovada nesta terça-feira (16) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados a admissibilidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que anistia partidos políticos por problemas nas prestações de contas e pelo descumprimento de cotas eleitorais.
O aval foi dado com 45 votos a favor e 10 contra, em votação nominal. Deputados do PSOL, Novo, Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e Kim Kataguiri (União Brasil-SP) se posicionaram contra a aprovação da PEC. A proposta tem que ser analisada em outras comissões antes de chegar ao plenário da Casa.
A CCJ não analisa o mérito da matéria, mas a constitucionalidade, embora ponderações sobre o conteúdo geralmente já sejam feitas em discursos pelos deputados no colegiado. O relator, deputado Diego Coronel (PSD-BA), elaborou parecer a favor da admissibilidade do texto.
Fizeram parte da articulação para a PEC tanto aliados do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quanto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), entre outros parlamentares.
Os deputados que assinaram em apoio à proposta são do PP, PL, PSD, União Brasil, Republicanos, PSDB, MDB, PV, Podemos, Avante, PT e PDT. Chico Alencar (PSOL-RJ) chegou a assinar, mas pediu a retirada do apoio. A PEC foi protocolada em 22 de março na Câmara dos Deputados.
A presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, disse que o partido não concorda com todo o conteúdo da PEC, mas que a CCJ deve verificar somente a constitucionalidade da matéria.
Ela argumentou que a proposta “pode ser a oportunidade para constitucionalizar as cotas” nas eleições. Disse também que as punições devem ser mais diversas, não apenas em forma de multas financeiras. Quanto às multas, ela afirmou ainda que devem ser pedagógicas, pois avalia haver hoje algumas “inexequíveis”, pelos altos valores.
Gleisi também fez mais críticas ao modelo atual de prestação de contas. A seu ver, a PEC poderá “consertar essas situações”.
O deputado Éder Mauro (PL-PA) fez uma defesa do conteúdo da PEC. Ele alegou que não houve tempo de as siglas se adequarem às regras aprovadas no primeiro semestre de 2022 para as eleições de outubro.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) afirmou que essa argumentação não se sustenta, porque a PEC abrange o perdão de metas não cumpridas em eleições anteriores. Ela disse que o PSOL vai entrar com mandado de segurança contra a PEC.
“Na hora da impunidade, setores da esquerda e da direita dão as mãos”, declarou Kim Kataguiri.
Anistia aos partidos
Se aprovada, a proposta mudará a Constituição para estabelecer que as legendas não poderão ser punidas com “sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução e recolhimento de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, nas prestações de contas de exercício financeiro e eleitorais dos partidos políticos que se derem anteriormente à promulgação” do texto.
Em 2022, as siglas receberam quase R$ 5 bilhões dos cofres públicos para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral.
Outro R$ 1 bilhão foi distribuído ao longo de 2022 para 24 partidos por meio do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – o Fundo Partidário.
A PEC também anistia as legendas que descumpriram a cota mínima de recursos ou por não destinarem os valores mínimos para candidaturas de negros e mulheres nas eleições de 2022 para trás.
“Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução e recolhimento de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça nas eleições de 2022 e anteriores”, diz o texto.
Uma emenda constitucional promulgada em abril do ano passado – que essa nova PEC tenta mudar – destaca que a anistia vale apenas para o período anterior à promulgação do texto. Portanto, hoje vale apenas para as eleições de 2020 e as anteriores a ela.
As cotas e os recursos mínimos a candidaturas de negros e mulheres foram estabelecidos após anos de discussões e implementação, para estimular a entrada destas parcelas da população na política.
Na justificativa da PEC, o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) diz que, nas últimas eleições, “muitos dos entes partidários tiveram dificuldade em se ajustar ao novo comando constitucional, em decorrência da inexistência de outra regra que apresentasse as balizas ou uma maior elucidação sobre a matéria pertinente à distribuição das referidas cotas”.
“Não se sabia ao certo, em meio ao processo eleitoral, se a contagem da regra teria sua abrangência federal ou se deveria ser cumprida pelos partidos em âmbito nacional”, ressaltou.
“Muitos partidos, agindo de boa-fé e com o maior esforço para que as regras fossem cumpridas, se viram inadequados após o período eleitoral, em virtude de muitas alterações de registro de candidatura em todo o país”, complementou.
A PEC também propõe que se permita a arrecadação de recursos de pessoas jurídicas pelos partidos políticos, em qualquer instância, para quitar dívidas contraídas com fornecedores ou assumidas até agosto de 2015.
Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a doação de empresas para o financiamento de campanhas eleitorais. Os partidos então passaram a depender de doações de pessoas físicas e do Fundo Eleitoral para bancar as campanhas.
Magalhães argumenta que a “finalidade da alteração se presta exclusivamente a garantir o adimplemento de dívidas contraídas na vigência da ordem normativa anterior à vedação, de modo que a um só tempo prioriza o cumprimento das obrigações estabelecidas, bem como preserva a estabilidade da ordem jurídica que se pretende resguardar”.
Apelo ao Planalto
Nesta segunda-feira (15), 52 membros do Conselhão e do Conselho de Participação Social, ambos do governo federal, elaboraram uma carta na qual pedem que a base da gestão petista não apoie a PEC. Eles enviaram o documento aos ministros da Casa Civil, Rui Costa, e da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
O grupo afirma que “já passou da hora e já houve tempo o suficiente para a adaptação das agremiações às regras, de que o combate ao racismo e ao machismo avance em nossas estruturas partidárias e políticas, mudando a vergonhosa realidade de sub-representação de mulheres e pessoas negras na política nacional. E isso só poderá ser feito com a manutenção das penalizações sobre os partidos que não cumprirem tais regras”.
“Ao anistiar os partidos, o projeto gera ainda outros efeitos prejudiciais ao nosso sistema republicano, pois desmoraliza a justiça eleitoral, reduz a transparência de dados sobre o uso de recursos públicos e enfraquece os mecanismos de fiscalização e controle”, acrescentaram.