Busca por casos de varíola precisa ir além dos homens que fazem sexo com homens, dizem médicos

Especialistas em doenças infecciosas afirmam que o foco nessa população pode levar médicos a desconsiderar os sinais da doença em outros grupos populacionais

Brenda Goodman, da CNN
Imagem de microscopia do vírus Monkeypox, que causa a varíola dos macacos  • National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID)
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Um homem chegou a uma clínica de cuidados urgentes em Nova York com inchaços vermelhos na pele em uma área onde ele tinha bastante cabelo.

O médico da clínica diagnosticou os inchaços como foliculite, uma infecção dos folículos pilosos. O médico receitou antibióticos e enviou o homem, que está na casa dos 30 anos, para casa. Lá, ele continuou a ajudar a esposa com os cinco filhos, um dos quais recém-nascido.

Apesar dos antibióticos, os inchaços se espalharam além das primeiras lesões na virilha para as palmas das mãos, braços, pernas e rosto.

Cerca de quatro dias após sua consulta inicial ao médico, ele teve febre e voltou à clínica de atendimento de urgência para um segundo atendimento. O médico da clínica consultou Daniel Griffin, especialista em doenças infecciosas do Centro Médico da Universidade de Columbia, que aconselhou testes para varíola dos macacos.

Alguns dias depois, esse teste deu positivo.

"Não pareceu disparar nenhum alarme, e acho que parte disso foi que este é um homem casado e feliz, trabalha em um escritório. Ele não tinha fatores de risco relatados que levantassem a preocupação de alguém, o que é lamentável", disse Griffin, que agora está tratando o homem e obteve permissão para compartilhar sua história. O homem não quis dar entrevista.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, afirmam que 99% da transmissão da varíola está acontecendo entre homens que fazem sexo com homens, e não há dúvida de que esta continua a ser uma comunidade fortemente afetada.

No entanto, especialistas em doenças infecciosas acham que o foco nessa população pode estar levando os médicos a desconsiderar os sinais de varíola dos macacos em outros grupos populacionais.

A varíola dos macacos não é uma infecção sexualmente transmissível (IST), mas pode se espalhar através do tipo de contato próximo que acontece em situações sexuais e outras situações íntimas.

Nos Estados Unidos e em outros países, os casos explodiram entre homens gays e bissexuais sexualmente ativos.

Em uma entrevista à imprensa na sexta-feira (22), as autoridades de saúde pública enfatizaram que poucos casos foram diagnosticados em pessoas fora da comunidade de homens que fazem sexo com homens, e mesmo esses casos externos foram relacionados ou adjacentes.

Acredita-se que as duas primeiras crianças nos Estados Unidos que foram recentemente diagnosticadas com varíola dos macacos, por exemplo, contraíram suas infecções por disseminação doméstica.

Separadamente, em uma reunião no sábado (23) para educar os médicos sobre a varíola, o pesquisador John Brooks, diretor médico da resposta do CDC à varíola, disse que houve um caso da doença em uma mulher grávida nos Estados Unidos. A varíola dos macacos pode atravessar a placenta durante a gravidez e infectar bebês no útero.

Brooks disse que a mulher deu à luz seu bebê e a criança não parece ter sido infectada. O bebê recebeu anticorpos protetores chamados imunoglobulina como precaução, e tanto a mãe quanto o bebê agora estão bem, disse ele.

Mas isso não representa a maioria dos casos.

"Na verdade, 99% dos nossos casos relatam contato sexual entre homens", disse Jennifer McQuiston, vice-diretora da Divisão de Patógenos e Patologia de Alta Consequência do CDC.

Mais de 3.500 casos de varíola dos macacos foram diagnosticados nos EUA. Os especialistas do CDC disseram que não têm informações demográficas detalhadas sobre todos esses casos.

“Não há evidências até o momento de que estamos vendo esse vírus se espalhar para fora dessas populações em qualquer grau”, acrescentou Jennifer.

'Nossa rede não é ampla o suficiente'

Mas Daniel Griffin afirma que a situação se assemelha aos primeiros dias da Covid-19, quando era difícil fazer um teste, a menos que você pudesse mostrar que havia viajado recentemente para Wuhan, na China.

Testes de varíola dos macacos estão disponíveis, e homens gays e bissexuais estão sendo considerados aptos para testes, mas muitos médicos ainda não estão cientes do risco para pessoas fora dessa população, disse Griffin. E isso apesar da divulgação, seminários virtuais e alertas de saúde para médicos do CDC.

"Acho que estamos cometendo um grande erro", disse Griffin. "A varíola provavelmente já está fora dessa população-alvo, e estamos deixando que ela se espalhe porque não estamos dispostos a reconhecer isso, porque não estamos fazendo os testes, porque nossa rede não é ampla o suficiente".

Outros especialistas concordam.

"Estou preocupado que tenha ultrapassado esta comunidade", disse David Hamer, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Boston que monitora o surto de varíola em viajantes internacionais por meio de sua rede GeoSentinel de 71 locais ao redor do mundo.

Hamer disse que o surto parece ter sido alimentado por três reuniões em massa na Europa; pelo menos uma era uma rave, onde as pessoas contraíram o vírus e o levaram para casa. A maioria desses indivíduos eram homens gays e bissexuais.

"Mas há outros que claramente foram infectados, incluindo algumas crianças pequenas, e não está claro como foram expostos", disse Hamer.

Um desses casos no Reino Unido foi uma criança pequena, "e eles não entendiam onde e como essa criança adquiriu a infecção", disse ele.

"Precisamos pensar de forma mais ampla. Precisamos educar os prestadores de cuidados primários para pensar sobre a varíola se virem alguém com erupção cutânea", disse Hamer.

Diagnóstico da varíola dos macacos permite indicar o isolamento dos pacientes / Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz
Diagnóstico da varíola dos macacos permite indicar o isolamento dos pacientes / Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz

Demanda modesta para testes de varíola

No início do surto, os médicos foram autorizados a testar a varíola dos macacos apenas sob um conjunto restrito de circunstâncias, porque a capacidade de teste era limitada a cerca de 6.000 testes por semana.

Recentemente, no entanto, o CDC fez parceria com cinco laboratórios comerciais para ampliar os testes. Quando todos tiverem seus programas rodando, poderão processar mais de 10 mil testes por dia e 80 mil testes por semana.

A expansão dos testes para laboratórios comerciais torna o processo de solicitação desses diagnósticos muito mais fácil para os médicos, mas há pouca indicação de que muitos testes estejam acontecendo fora das clínicas de saúde sexual que atendem principalmente à comunidade LGBTQ.

"Uma vez que chega aos laboratórios comerciais, temos uma capacidade muito mais liberal de pedir isso. Ninguém está nos pedindo para documentar qualquer critério ou qualquer coisa para solicitar o teste", disse Stacy Lane, diretora médica do Central Outreach Wellness Center, que administra oito clínicas de saúde focadas no bem-estar LGBTQ na Pensilvânia e em Ohio.

Embora muitos dos laboratórios comerciais não divulguem o número de testes de varíola que estão fazendo, há indicações de que a capacidade de teste está sendo subutilizada.

Um porta-voz da Quest Diagnostics, por exemplo, disse em um e-mail que "temos uma demanda modesta, que continua crescendo".

Carlos del Rio, especialista em doenças infecciosas da Escola de Medicina da Universidade Emory, disse que não acha que os prestadores de cuidados primários estão atualizados.

"Precisamos de muito mais informação e educação para os profissionais sobre como usar um teste e o que fazer com ele", disse del Rio. Ele acrescentou que seus próprios amigos e familiares estavam enviando mensagens de texto com fotos de suas lesões, perguntando se poderiam ser de varíola.

Na maioria das vezes, diz ele, ele garante que o que eles têm provavelmente não é a doença. "Acho que ainda está bastante contido na comunidade de homens que fazem sexo com homens", disse del Rio. "Isso não significa que vai ficar lá".

O custo do diagnóstico errado

Griffin disse que seu paciente não tem ideia de como foi exposto e agora está isolado no porão de sua casa. Acredita-se que as pessoas com varíola dos macacos sejam contagiosas por pelo menos quatro semanas.

Ele está tomando um medicamento antiviral chamado tecovirimat, que está sendo disponibilizado para pacientes com varíola dos macacos.

Os médicos conseguiram vacinar a esposa do paciente e estão observando cuidadosamente seus filhos, incluindo o bebê, que ele segurou antes de saber que estava contagioso.

Autoridades de saúde pública recentemente expandiram o acesso à vacina contra a varíola dos macacos Jynneos para crianças sob certas circunstâncias.

Griffin diz que, embora a vacina deva ser segura, não há dados sobre seu uso em crianças. O tecovirimat também é recomendado para crianças com menos de 8 anos, um grupo que o CDC diz estar em maior risco de quadros graves da infecção.

Por enquanto, o homem está trancado em seu porão e incapaz de ajudar em casa, o que Griffin disse ter sido difícil para ele e sua família.

"O pai, que é muito importante nas primeiras semanas de vida do bebê, agora está trancado no porão, o que é trágico", disse Griffin. "Você não tem essas semanas de volta".

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