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    Como abordar a saúde mental de forma natural com os filhos? Especialistas explicam

    Conversar abertamente com as crianças e adolescentes sobre os próprios sentimentos é uma forma de construir relações mais saudáveis, segundo especialistas

    Lucas Rochada CNN , em São Paulo

    “Terapia é coisa de louco.” “Depressão é falta de vontade.” “Menino não chora.” Esses são apenas algumas frases que representam equívocos comuns no que diz respeito à saúde mental.

    O caminho para tornar o cuidado com a saúde da mente em algo prioritário ainda é longo. Segundo especialistas consultados pela CNN, essa atenção deve fazer parte da criação de crianças e adolescentes desde cedo, e alguns passos podem ajudar a transformar a abordagem do tema em algo comum, assim como acontece com o cuidado com outros aspectos da saúde.

    De acordo com uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no período entre 2011 e 2014, foram identificadas 15.702 notificações de atendimento ao comportamento suicida entre adolescentes nos serviços de saúde, predominando o grupo etário de 15 a 19 anos (76,4%), do sexo feminino (71,6%), e cor da pele branca (58,3%).

    Como falar sobre saúde mental?

    As crianças têm como características comuns a observação e a curiosidade. É a maneira que elas encontram de perceber o mundo à sua volta e de entender as semelhanças e as diferenças entre as pessoas.

    Segundo o psiquiatra Antonio Egídio Nardi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o primeiro passo para conversar sobre saúde mental com os filhos é buscar uma abordagem com linguagem acessível, de acordo com a capacidade de compreensão das crianças em cada idade.

    Para Nardi, é essencial mostrar que a saúde mental conta com diferentes nuances e que essas modificações são normais.

    “As crianças devem ser informadas que a saúde mental é importante e que existem reações mentais naturais como a tristeza, o luto, a ansiedade, que fazem parte da nossa formação de personalidade, fazem parte do nosso caminho para a maturidade”, afirma Nardi.

    A psicóloga Camila Turati, professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), explica que o desenvolvimento humano é diverso e não acontece de forma linear. Nesse sentido, as relações que consideram a diversidade são essenciais para o aprendizado de funções psíquicas, como pensamento, linguagem, memória e atenção.

    “Quando vamos pensar em saúde das crianças, a primeira coisa é pensar que não temos uma meta única a ser seguida. Cada criança vai se apropriando da realidade de um jeito diferente. Pensar a saúde mental é pensar em condições apropriadas para que essa diversidade possa existir”, diz a psicóloga.

    “Então, se temos uma criança que fala mais ou fala menos, gosta de fazer determinada atividade e outra não, não podemos ver isso como um problema”, acrescenta.

    Falar sobre os próprios sentimentos

    As emoções são características humanas e não estão associadas ao gênero. No entanto, ainda hoje são reproduzidos discursos que levam meninos e meninas a expressar e a lidar de maneiras diferentes com os próprios sentimentos.

    “Quando a criança escuta que pode ou não pode chorar, não quer dizer que o sentimento vai deixar de estar ali presente. Quanto mais oportunidades tivermos para conversar, tratar as crianças como sujeitos diversos, independente do seu gênero, isso vai trazendo mais oportunidades para uma constituição diversa, múltipla e inclusiva”, afirma Turati.

    A opinião é compartilhada pelo psiquiatra Antonio Egídio, da UFRJ. “Todos nós podemos chorar, todos podemos estar bravos em algum momento. Isso não faz uma pessoa mais fraca ou diferente das outras. Temos que incentivar as crianças a mostrarem seus sentimentos aos amigos, aos professores, sem que isso desqualifique essa criança na sociedade em que ela vive”, diz.

    O primeiro passo para conversar sobre saúde mental com os filhos é buscar uma abordagem com linguagem acessível
    O primeiro passo para conversar sobre saúde mental com os filhos é buscar uma abordagem com linguagem acessível / Foto: Prefeitura de Jundiaí

    O respeito à diferença

    Um dos principais ambientes de socialização das crianças e adolescentes, a escola é o local onde os indivíduos costumam ter os primeiros contatos com pessoas diferentes no que diz respeito a crenças, estilos de vida, características físicas ou de comportamento.

    A forma como as diferenças sociais são entendidas pela própria família pode ser refletida na maneira como a criança reage ao conviver com colegas com cores, gêneros, status social e até mesmo condições mentais distintas.

    Segundo o psiquiatra da UFRJ, a percepção das diferenças deve ser trabalhada com a criança desde cedo. “A saúde social ensina que nós temos que respeitar o direito e as diferenças, que as pessoas não são iguais. Não se deve comentar a aparência das pessoas, se a pessoa tem a orelha grande, o nariz grande, é alta, baixa, gorda, magra ou qualquer outra coisa que é motivo de bullying por muitos”, afirma Egídio.

    Segundo o especialista, o diálogo pode reduzir as chances de bullying, que, para ele, pode ser entendido como um deboche. “É importante explicar que debochar da aparência ou alguma característica de uma pessoa faz mal ao outro e que não gostaríamos que fizessem isso conosco, já que nós também não somos perfeitos e temos as nossas variações”, acrescenta.

    Ao longo da vida, convivemos com pessoas com diferentes transtornos mentais. Esquizofrenia, autismo, ansiedade, depressão, deficit de atenção com hiperatividade (TDAH) são apenas algumas das condições que podem afetar qualquer indivíduo.

    O entendimento das crianças a respeito do significado desses transtornos pode ser influenciado pela percepção que os próprios adultos à sua volta têm sobre a questão. Para a psicóloga Camila Turati, o diálogo aberto sobre o assunto pode ajudar a desmistificar o tema e a reduzir os estigmas associados aos diferentes distúrbios.

    “É importante entender e explicar que somos diversos e temos existências diferentes. Por exemplo, existem pessoas com deficiência e essa deficiência não vai ser algo que vai marcar quem essa pessoa é, mas vai ser apenas uma característica no desenvolvimento humano dessa pessoa”, diz Turati.

    O papel central da escola

    Para a psicóloga Marilene Proença Rebello de Souza, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), a escola, como um lugar de formação humana, tem um papel central no desenvolvimento da compreensão da saúde mental.

    Segundo Marilene, os professores e gestores educacionais devem sugerir a criação de iniciativas que permitam a formação de vínculos, como espaços de escuta, compreensão e atenção às crianças e adolescentes.

    “A escola seria um espaço muito interessante se pudéssemos construir projetos de convivência onde tivéssemos rodas de conversa para poder falar sobre situações de discriminação, sobre preconceitos que são vividos no interior da escola, questões de gênero, o papel das redes sociais e discussões de temáticas que geram sofrimento e conflito na escola”, comenta.

    De acordo com Camila Turati, além de fornecer mecanismos para que as crianças compreendam a realidade, a escola deve acolher a pluralidade que é comum ao comportamento delas.

    “Quanto mais a gente olhar para essas crianças e pensar maneiras que elas possam se apropriar da realidade e se expressar à sua maneira, mais vamos estar cuidando delas. Infelizmente, temos um sistema educacional que conta para nós que existe uma nota a ser atingida, uma meta a ser alcançada. Isso acaba achatando as possibilidades de entendermos esse desenvolvimento humano de uma maneira complexa, como ele é realmente”, afirma.

    O luto como oportunidade de fala

    Diante da pandemia de Covid-19, o luto passou a ser uma experiência mais presente na vida de muitas famílias. A perda de entes queridos, por vezes, em sequência poderá deixar marcas que ainda não são totalmente compreendidas pelos profissionais da saúde mental.

    Para Camila Turati, o processo de entendimento do luto pode ser trabalhado desde cedo. Segundo a psicóloga, esconder das crianças questões sobre a perda e a morte pode trazer prejuízos a longo prazo.

    “Quanto mais escondermos que o luto existe ou trabalharmos de uma maneira na qual a criança vai percebendo que a realidade não é a que ela está observando ali, estamos perdendo uma oportunidade de entendimento do que são esses sentimentos, o que fazer com eles e como elaborá-los”, alerta.

    De acordo com a psicóloga, falar sobre os sentimentos relacionados ao luto é uma forma de construir o significado da perda de maneira saudável.

    “O adulto mostrar que também tem esses sentimentos, muitas vezes os pais querem ser fortes e não transparecer que estão tristes. Na verdade é importante contar para essa criança que se está triste e que também está aprendendo a lidar com a perda e falar sobre maneiras de lembrar dessa pessoa querida de uma outra forma”, complementa.

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