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    O que falta para normalizarmos o cuidado com a saúde mental

    Neste 15 de setembro, Dia Nacional de Prevenção e Combate à Depressão, especialistas explicam os prejuízos de ignorar os sinais da doença

    Lucas Rochada CNN , em São Paulo

    Uma conjuntivite e uma crise de ansiedade não têm o mesmo peso socialmente. Embora as duas situações possam ser incapacitantes, em geral, apenas a primeira tende a ser utilizada como motivo plausível para afastamento do trabalho.

    Quando temos uma dor de dente, paramos o que estamos fazendo para buscar atendimento odontológico. Diante de sintomas depressivos, fazemos o possível para esconder que não estamos bem e tocar a vida como se fosse um dia normal.

    De acordo com pesquisadores consultados pela CNN, esse é um retrato comum da sociedade que ainda negligencia o cuidado com a saúde mental. E parte da explicação está no entendimento da saúde mental como secundária ou na visão equivocada dos transtornos mentais como sinais de fraqueza ou falta de vontade.

    Neste 15 de setembro, Dia Nacional de Prevenção e Combate à Depressão, psicólogos explicam os riscos de ignorar os sintomas de que a saúde mental não vai bem.

    “A sociedade ainda tem um preconceito grande com relação aos transtornos mentais. Eles podem ser tão incapacitante quanto ou ainda mais do que qualquer outra doença”, afirma a psicóloga Karen Scavacini, da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS).

    A pesquisadora Joana Singer Vermes, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), explica que o adoecimento psicológico pode se apresentar com diferentes nuances. “Normalizar é entender que todo mundo, em algum momento da vida, terá questões importantes de saúde mental. Pode ser um quadro ansioso ou depressivo, um luto mais complicado ou uma demência senil, por exemplo”, diz.

    “As pessoas precisam entender que, do mesmo jeito que é impossível passar uma vida sem apresentar nenhum problema de saúde geral, não existe chance de nunca vivermos um adoecimento psicológico”, completa.

    Saúdes física e mental ainda têm pesos e medidas diferentes

    Enquanto as doenças em geral podem ser identificadas a partir de exames diagnósticos ou observadas diretamente, o entendimento dos transtornos relacionados à mente tende a passar por processos mais complexos, segundo os especialistas.

    “Embora alguns exames sejam capazes de detectar déficits no funcionamento de neurotransmissores e hormônios que podem explicar parte do problema, não são capazes de dar conta de toda a miríade de questões envolvidas no sofrimento humano. Então, aquilo que a gente não vê, aquilo que não é palpável, fica debaixo do tapete”, explica Joana.

    Segundo a professora Maria Julia Kovacs, do Instituto de Psicologia da USP, as pessoas também encontram dificuldades para procurar ajuda especializada pela ideia de que os distúrbios de origem mental possam ser resolvidos por conta própria.

    “Ainda tem uma característica bastante negativa e uma ideia de que a própria pessoa pode controlar a sua depressão, diminuir a sua ansiedade, o que temos observado que não é o caso. Muitas pessoas relatam picos muito grandes de ansiedade, uso bastante intenso de álcool e outras drogas e mesmo o adoecimento psíquico com delírios, alucinações e grande sofrimento”, relata Maria Julia.

    Sinais de que a saúde mental não vai bem

    Os sintomas de transtornos mentais, como ansiedade ou depressão, são diversos e podem variar de uma pessoa para outra. No entanto, os especialistas citam alguns sinais que podem indicar a necessidade de ajuda especializada.

    O psicólogo da Fundação Municipal de Saúde de Niterói e professor da Faculdade Maria Thereza (FAMATH) Maycon Rodrigo Torres destaca que as pessoas devem ficar atentas à qualidade das relações sociais. “É preciso observar de que maneira são mantidos os vínculos de trabalho, de amizade, de relacionamento e o quanto esses vínculos são saudáveis. É importante entender o quanto a presença entre outras pessoas se torna algo que dê prazer e bem-estar”, afirma.

    Para o psicólogo, o isolamento é uma característica que deve ser avaliada com atenção. Segundo ele, é possível estar isolado mesmo diante de reuniões com familiares ou amigos.

    O especialista diz que a avaliação psicológica considera o indivíduo em suas particularidades em uma análise do que é comum e do que pode ser um sinal de adoecimento.

    “Costumamos trabalhar, em um processo de avaliação mais ampliado, qual é o normal de cada um, considerando a maneira como a pessoa se desenvolve para poder avaliar o momento presente. O quanto ela está satisfeita com a própria vida, o quanto ela consegue ter encontros que gerem prazer e bem-estar, o quanto ela consegue efetivamente se reconhecer como parte de um grupo ou da sociedade”, explica Torres.

    / Arte/CNN Brasil

    Negligenciamento pode tornar o tratamento mais difícil

    Quanto mais tarde uma pessoa busca o atendimento especializado, mais difícil pode se tornar o tratamento, de acordo com os especialistas.

    “Há muitos estudos mostrando a importância das intervenções, tanto medicamentosas quanto psicoterápicas, o mais cedo possível. Quanto mais crônico o problema, mais resistente tende a ser o organismo ao tratamento”, explica Joana.

    Segundo os pesquisadores, um dos principais riscos do negligenciamento no cuidado com a saúde mental é a possibilidade de que o sofrimento psíquico se torne comum para o indivíduo, que passa a perceber a vida como aquela condição do próprio adoecimento.

    “Uma das coisas difíceis é que a doença pode passar a ser um traço, como se fizesse parte da personalidade. A vida acaba ficando muito entrelaçada na questão psiquiátrica, de forma que a pessoa não sabe como é viver de outra forma”, afirma Joana.

    Para a psicóloga Karen Scavacini, da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS), a ampliação da oferta de serviços públicos de saúde mental ainda é um desafio no Brasil. Para facilitar o acesso ao tratamento, ela criou o site Mapa da Saúde Mental, que permite a consulta de locais que oferecem o atendimento gratuito, voluntário ou com preços acessíveis no país.

    A especialista pondera que o processo terapêutico não pode ser estabelecido do dia para a noite, mas funciona como uma jornada de autoconhecimento. “O terapeuta não vai dar soluções. Ele vai ajudar a pessoa a entender as questões e a trilhar os seus próprios caminhos de uma maneira mais saudável – e isso demora. Não tem ‘fast food’ na terapia”, afirma.

    De acordo com a psicóloga, o tratamento pode ajudar as pessoas a entender as situações que trazem bem ou mal, além de ampliar a qualidade de vida, que envolve dormir bem, alimentação saudável, a prática de exercícios físicos e o entendimento dos relacionamentos positivos e negativos.

    Para a psicanalista Ana Maria Stucchi Vannucchi, professora e diretora científica da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), o negligenciamento no cuidado compromete, a longo prazo, a evolução da sociedade.

    “A criação de seres humanos que não possam se humanizar efetivamente compromete o desenvolvimento individual e, evidentemente, todo o desenvolvimento social, com fanatismos de toda natureza, autoritarismo, impossibilidade de desenvolvimento de parcerias e de um desenvolvimento mais democrático”, afirma.

    De acordo com a psicanalista, os sintomas de transtornos mentais podem comprometer o desenvolvimento humano e a formação de vínculos afetivos “O acolhimento dessas emoções vai permitir o crescimento mental e o desenvolvimento pleno das capacidades”, conclui.

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