Contaminação cruzada dificulta dieta sem glúten para pacientes celíacos
Dividir talheres ou assar o pão no mesmo forno são algumas formas de introduzir a proteína no organismo de pacientes com a doença
Nesta segunda-feira (16), Dia Mundial de Conscientização da Doença Celíaca, especialistas chamam a atenção para a dificuldade que os portadores deste transtorno para manter dietas sem glúten. O problema é a contaminação cruzada, já que essa proteína pode aparecer como ingrediente oculto em diversos alimentos processados.
A doença celíaca é autoimune, e é caracterizada por acometer o intestino delgado, atingindo cerca de 1% da população e sendo desencadeada pela intolerância ao glúten, que é um conjunto de proteínas presentes naturalmente em cereais.
O médico Gustavo Patury, cirurgião do aparelho digestivo e bariátrico e Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, explicou à CNN que a doença acontece quando há uma inflamação na mucosa do intestino decorrente da exposição ao glúten em pessoas predispostas geneticamente. A condição pode resultar na atrofia das vilosidades intestinais, gerando má absorção intestinal e outras manifestações clínicas.
A doença celíaca não é uma alergia. Porém, assim como as alergias, ela é uma reação do sistema imunológico a um alimento. Entretanto, em vez de gerar uma reação imediata, a condição pode ter progressão mais lenta, com sintomas indo de leves a intensos e se manifestando por um longo período de tempo.
Contaminação Cruzada
A Organização Mundial de Gastroenterologia (OMG) adverte que uma dificuldade que os pacientes costumam enfrentar é manter-se em uma dieta longe do glúten. Isso porque o glúten é amplamente usado em alimentos processados, podendo ser um ingrediente oculto. Embora haja cereais como farinhas e amidos sem glúten, pode haver problemas com a chamada contaminação cruzada com trigo e cevada, que contém a proteína.
Patury explica que alguns produtos alimentícios que não contém glúten em sua composição podem acabar apresentando traços da proteína –que são partículas mínimas medidas em miligramas– e que podem afetar os celíacos. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando um pão sem glúten é assado no mesmo forno de um pão que contém a proteína. Ou quando uma faca é usada para cortar alimentos com glúten.
Por esse motivo, diz o especialista, é preciso analisar os amidos e farinhas para uma detecção preliminar de glúten antes de permitir o uso na dieta dos pacientes celíacos.
No Brasil, a Lei nº 10.674/2.003 obriga que todos os alimentos industrializados informem em seus rótulos a presença ou não de glúten, para resguardar o direito à saúde dos portadores de doença celíaca.
“O ideal para um celíaco é fazer acompanhamento com um médico e nutricionista especializados na doença”, diz Patury.
Ele explica que, além da não ingestão dos alimentos, há casos em que o paciente deve evitar qualquer produto com glúten, como, por exemplo, alguns cosméticos. Ele também aconselha que os pacientes utilizem talheres e utensílios de cozinha exclusivos.
Sintomas e causas
A doença celíaca ocorre em pessoas com tendência genética a essa condição. Indivíduos com parente de primeiro grau que sejam portadores de doença celíaca (pais, filhos, irmãos) têm risco maior de desenvolver a patologia, segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Além disso, há uma uma frequência maior entre pessoas do sexo feminino, na proporção de duas mulheres para cada homem.
Há a separação de três tipos do transtorno: doença celíaca, alergia ao trigo e a sensibilidade ao glúten não-celíaco. Geralmente, as condições se apresentam na infância, em crianças com idade entre 1 e 3 anos. Contudo, como explica o cirurgião, pode aparecer em qualquer idade.
“A doença é hoje conhecida por afetar todas as faixas etárias, inclusive os idosos: mais de 70% dos novos pacientes são diagnosticados acima dos 20 anos”, disse.
A apresentação clínica da doença varia muito de pessoa para pessoa. Tanto a doença como os sintomas podem surgir em qualquer fase da vida.
Segundo Patury, alguns pacientes com doença celíaca têm poucos sintomas gastrointestinais ou extraintestinais, enquanto uma minoria apresenta má absorção (doença celíaca clássica).
Os principais sintomas em adultos são diarreia crônica, perda de peso, anemia ferropriva, distensão abdominal por inchaço, mal-estar e fadiga, edema (hipoproteinemia) e osteoporose.
Já nas crianças, os sinais envolvem vômitos, diarreia, distensão abdominal e perda de peso.
De acordo com o CNS, a falta de informação sobre e a dificuldade para o diagnóstico prejudicam a adesão ao tratamento e limitam as possibilidades de melhora do quadro clínico. Se não for tratada, a doença celíaca pode levar a sérios problemas de saúde adicionais.
Diagnóstico e qualidade de vida
Pequenas quantidades de glúten podem ser prejudiciais. Por esse motivo, o diagnóstico precoce é fundamental, diz o CNS. Segundo o conselho, é imprescindível a realização de endoscopia digestiva alta, com biópsia de intestino delgado para exame histopatológico do material biopsiado, que é considerado o ‘padrão-ouro’ no diagnóstico da doença. Exames de sangue ou dieta restritiva sem glúten também podem ser requeridos pelo médico.
O único tratamento para a doença celíaca, hoje, é uma dieta estritamente livre de glúten por toda a vida. Nenhum alimento ou medicamento contendo glúten de trigo, centeio e cevada ou derivados pode ser ingerido para não causar persistência dos sintomas.
“Sintomas recorrentes podem desencadear problemas secundários e até mesmo doenças graves, não só no aparelho gastrointestinal”, afirma Patury. Alguns deles incluem atraso no crescimento, puberdade tardia, osteopenia, osteoporose, câncer de intestino delgado, linfomas, tumores de boca e faringe.
Segundo a Organização Mundial de Gastroenterologia, outras patologias podem causar ainda problemas como síndrome do intestino irritável, supercrescimento bacteriano, colite microscópica e outras complicações benignas e malignas, com maior risco de mortalidade.
Reposição do glúten
Uma das funções do glúten no organismo é ajudar o intestino delgado a proliferar as bactérias consideradas boas para auxiliar na digestão.
Segundo a organização, a dieta sem glúten é pobre em fibras. Os pacientes celíacos devem ser aconselhados a ingerir uma dieta rica em fibras complementada com arroz integral, milho, batata e vegetais abundantes. Qualquer deficiência dietética como ferro, ácido fólico, cálcio e, muito raramente, vitamina B12 deve ser corrigida.
A forma ideal de se inserir em uma dieta longe do glúten é consultar um nutricionista, especialmente durante o primeiro ano após o diagnóstico.
Nem todos os nutricionistas estão familiarizados com a complexidade de uma dieta sem glúten, e os grupos de apoio locais ou nacionais, em geral, podem oferecer a maior parte da informação necessária.