Fiocruz desenvolve novo teste que poderá otimizar o diagnóstico da hanseníase
O diagnóstico tardio da doença, que atinge cerca de 27 mil pessoas por ano no Brasil, pode levar ao desenvolvimento de complicações, incluindo lesões neurológicas


Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desenvolveram um novo teste que poderá tornar mais rápido o diagnóstico da hanseníase no país. O exame utiliza a metodologia de diagnóstico molecular, chamada tecnicamente de PCR, que é capaz de detectar o DNA da bactéria causadora da doença, Mycobacterium leprae. A hanseníase atinge cerca de 27 mil pessoas por ano no Brasil.
O “Kit NAT Hanseníase” obteve registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O novo método de diagnóstico foi desenvolvido pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com o Instituto Carlos Chagas (Fiocruz Paraná) e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), ligado à Fiocruz e ao governo paranaense.
A metodologia representa um avanço em relação à hanseníase, considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), uma das doenças negligenciadas. Segundo a definição da OMS, esses agravos são considerados endêmicos em populações de baixa renda e contribuem para a manutenção de situações de desigualdade no mundo. Além disso, o baixo investimento em pesquisas científicas por grandes empresas farmacêuticas amplia as lacunas no diagnóstico e tratamento para essas doenças.
“Até então, não havia testes diagnósticos de hanseníase considerados padrão-ouro. É um marco colocar este exame à disposição de populações vulneráveis, que são as que mais desenvolvem a doença e carecem de avanços tecnológicos”, afirmou o líder do projeto e chefe do Laboratório de Hanseníase do IOC, Milton Ozório Moraes, em um comunicado.
O kit da Fiocruz é o primeiro teste molecular comercial para a hanseníase desenvolvido no Brasil e o segundo exame deste tipo a obter o registro da Anvisa.
O desenvolvimento foi possível a partir de investimentos do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Fundação Novartis e da Leprosy Research Initiative (iniciativa internacional de apoio à pesquisa em hanseníase), além de recursos próprios da Fiocruz e do IBMP.
Uma das doenças mais antigas conhecidas
A hanseníase é uma das doenças mais antigas da humanidade, com relatos de casos desde 600 a.C. Apesar de antiga, a doença é um grave problema de saúde pública, especialmente no Brasil, que concentra o segundo maior número de casos do mundo. A doença, que recebia o nome de lepra, foi renomeada devido ao estigma associado ao termo.
O diagnóstico tardio, que atinge cerca de 2 mil pessoas, pode levar a complicações, incluindo lesões neurológicas, que provocam deformidades visíveis e prejudicam a visão ou o movimento das mãos ou dos pés.
A bactéria causadora da hanseníase atinge principalmente a pele e os nervos. Os sintomas mais comuns da doença são manchas na pele, que podem ter alteração de sensibilidade ou dor. Algumas pessoas podem não apresentar manchas, mas áreas da pele podem ter a alteração de sensibilidade, além da diminuição de pelos e do suor.
Outros sinais são o aparecimento de caroços no corpo, sensação de formigamento ou fisgadas e comprometimento neurológico, incluindo alterações sensitivas, motoras ou anatômicas.
A transmissão ocorre quando uma pessoa com hanseníase, sem tratamento, elimina a bactéria no ambiente pela vias aéreas superiores, por meio do espirro ou tosse. A transmissão não acontece pelos objetos utilizados pelo paciente. Além disso, também é necessário um contato próximo e prolongado.
O tratamento é realizado a partir da associação de três medicamentos antimicrobianos, a chamada poliquimioterapia. A duração varia de acordo com a manifestação clínica da doença. O tratamento e acompanhamento médico podem ser feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em unidades básicas de saúde e de referência.
No Brasil, a doença está presente em todos os estados, com maior parte dos registros no Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Condições de habitação e alimentação precárias favorecem o contágio. A dificuldade de acesso das populações vulneráveis aos serviços de saúde também é um dos desafios para o diagnóstico precoce.
Em 2020, a pandemia de Covid-19 acentuou as dificuldades para o estabelecimento das ações de controle. Segundo o Ministério da Saúde, os números preliminares indicam que menos de 14 mil casos foram diagnosticados no ano passado, contra mais de 27 mil em 2019. Especialistas consideram que a redução pode ter ocorrido pela sobrecarga dos serviços de saúde e pelo medo dos pacientes da exposição ao contágio pela Covid-19 ao procurar atendimento.
Avanço no diagnóstico
Segundo a Fiocruz, cerca de 70% das pessoas com hanseníase são diagnosticadas na atenção básica, pelo clínico geral, sem necessidade de exames complementares. No caso de dúvidas, os pacientes são encaminhados para atendimento especializado com dermatologistas. Diante da dificuldade de confirmação do diagnóstico, o médico pode solicitar a biópsia, que é a retirada de fragmentos de pele para análise.
O novo teste da Fiocruz poderá otimizar esse processo, de forma a responder com mais sensibilidade e precisão em relação aos exames disponíveis atualmente, como a baciloscopia, que busca visualizar a bactéria, e a histopatologia, que analisa as alterações do tecido.
(Com informações da Agência Fiocruz de Notícias)