No Dia do Imigrante, faça uma viagem pelos sabores do mundo sem sair de São Paulo
Comida africana, mexicana, israelense, italiana, japonesa, chinesa, alemã...a capital paulista é também a capital da culinária mundial
Não é preciso muita observação para perceber que São Paulo é uma cidade plural. Ao longo dos séculos, os diferentes povos que vieram para cá somaram suas heranças para hoje formar a identidade do paulistano. É como se o mundo coubesse aqui!
A onda de imigração para a capital paulista se intensificou sobretudo a partir de 1870, quando uma sucessão de crises e conflitos na Europa fez com que muita gente cruzasse o Atlântico em busca de uma vida melhor.
Mas não só: Ásia e África também ajudaram a formatar esse caldeirão étnico que é a cidade. Tanto que, em 1957, a Assembleia Legislativa do Estado instituiu o Dia do Imigrante. A data, 25 de junho, foi escolhida à época por coincidir com o fim da Semana da Imigração Japonesa.
Trata-se de uma celebração da importância dos imigrantes tanto para a cultura como para a economia daqui. Então, bora aproveitar a data para viajar pelos diferentes bairros da capital e desvendar os sabores de algumas das principais colônias que se instalaram por aqui.
Afinal, essas diferentes nações deixaram marcas na arquitetura, na música, nos costumes mas, sobretudo, na gastronomia paulistana. Prepare o apetite e boa viagem!
Mangia che ti fa bene
Você consegue imaginar o paulistano sem pizza? E sem um belo prato de massa? Pois a chegada dos imigrantes italianos na cidade exerceu forte influência na nossa cozinha do dia a dia.
Enquanto parte dos que desembarcaram por aqui rumou para as lavouras de café, um número igualmente significativo veio para trabalhar nas indústrias que se instalavam na capital. Assim, formaram vilas de operários, que surgiam junto com o progresso dos trilhos da primeira ferrovia paulista.
A Mooca até hoje preserva traços daquele período, e que vão muito além do jeito de falar “italianado” e de atrações como a Hospedaria do Imigrante, onde atualmente funciona o Museu da Imigração (Rua Visconde de Parnaíba, 1316).
Quem chega àquele pedaço da cidade também encontra célebres endereços da boa mesa, como a tradicionalíssima Di Cunto (Rua Borges de Figueiredo, 61). Fundada por uma família napolitana, a casa desde 1935 tira do forno doces típicos como sfogliatella, uma delicada massa folhada preenchida de ricota e frutas cristalizadas, e canolli.
Bem em frente dali, o chef Felipe Zanutto abriu em 2016 o Hospedaria (Rua Borges de Figueiredo, 82), onde propõe uma comida inspirada no dia a dia dos imigrantes italianos e que recentemente ganhou uma segunda unidade no Itaim Bibi. O mesmo Zanutto também está à frente d’A Pizza da Mooca (Rua da Mooca, 1747), conhecida por suas receitas à moda napolitana.
Outro bairro que recebeu forte influência italiana é o vizinho Bixiga. Com uma gastronomia ainda mais proeminente, guarda cantinas tradicionalíssimas e padarias centenárias, como a 14 de Julho (Rua 14 de Juho, 92), aberta de 1897, a Italianinha (Rua Rui Barbosa, 121), de 1896, e a Basilicata (Rua Treze de Maio, 596), datada de 1914.
Oriente-se
Antigo Bairro da Pólvora, que testemunhou a luta dos negros contra a escravidão, a Liberdade começou a ganhar seus atuais contornos a partir do início do século 20, com a intensificação da imigração japonesa.
Hoje o bairro marca a memória visual, seja pelos postes com as tradicionais luminárias Suzuranto, seja pela força do comércio da região, que vai de lojas de produtos importados do Oriente a restaurantes. Entre estes, estão alguns dos pioneiros a vender sushi em São Paulo, como o Sushi Yassuh (Rua Thomas Gonzaga, 98), bem como endereços mais recentes que preservam a cozinha clássica japonesa, caso do Sushi Kenzo (Rua Thomas Gonzaga, 45).
A Liberdade também foi o primeiro bairro a abrigar uma casa especializada em lámen, o Aska (Rua Galvão Bueno, 466), e ainda guarda os mais tradicionais izakayas da cidade, que são os botecos ao estilo japonês cuja gastronomia se baseia em receitas quentes para acompanhar as bebidas típicas. Entre eles, estão o Izakaya Issa (Rua Barão de Iguape, 89), da simpática Margarida Haraguchi e que ajudou a popularizar esse tipo de estabelecimento, e o Kintaro (Rua Thomas Gonzaga, 57), que desde 1993 serve deliciosos petiscos num ambiente bem informal.
Nas últimas décadas, a Liberdade também viu crescer a população de imigrantes chineses, que abriram por ali casas como o Rong He (Rua da Glória, 622), famoso pelas massas orientais, e o Chi Fu (Praça Carlos Gomes, 200), de cardápio cantonês.
E, apesar da presença naquela região, a comunidade coreana se concentra em maior número no Bom Retiro, onde é possível conhecer um pouco mais da cultura do país no Centro Cultural Hallyu (Rua Professor Cesare Lombroso, 161) e experimentar um autêntico churrasco coreano no New Shin La Kwan (Rua Prates, 343).
Olha o kibe, habib!
Calcula-se que a comunidade libanesa no Brasil, formada em sua maioria por descendentes, é maior que a população do Líbano. E essa é só uma das nacionalidades que compõem os países árabes – somam-se a ela sírios, turcos, palestinos, sauditas, iraquianos…
Os primeiros imigrantes do Oriente Médio que chegaram por aqui passaram a trabalhar como mascates, vendendo seus produtos por ruas e cidades do interior. Muitos escolheram a região da rua 25 de Março para morar, por sua proximidade ao centro e ao Mercado Municipal, bem como pelos baixos aluguéis.
Posteriormente, se estabeleceram em bairros da zona sul, caso do Paraíso. E foi justamente este o escolhido pelas irmãs Olinda e Xmune Isper para abrir o Tenda do Nilo (Rua Coronel Oscar Porto, 638), um pequeno restaurante onde servem pastas típicas, como hommus e babaganush, e pratos, entre eles charutinho de folha de uva e um irretocável kibe cru. Também no Paraíso, o Halim (Rua Doutor Rafael de Barros, 56) preserva uma tradição que começou em 1973 no bairro do Brás, onde ficava seu primeiro endereço.
Prost!
Santo Amaro, Brooklin, Moema, Campo Belo. Sabe o que esses bairros da zona sul têm em comum? Todos receberam uma forte imigração de alemães ainda no século 19, muitos atraídos pela promessa de terras e oportunidades na então vila de Santo Amaro.
Se hoje, à primeira vista, as tranquilas ruas da região guardam poucas evidências dessa colonização, o mesmo não se pode dizer da gastronomia. A influência germânica se faz presente em restaurantes como o Windhuk (Alameda dos Arapanés, 1.400), aberto em 1964 e comandado pela família Krieger. Canapés, eisben com chucrute e páprika schnitzel são alguns dos pratos clássicos servidos em ambiente que remete a um chalé alpino.
Sem a mesma tradição, mas com igual esmero no preparo das receitas, o Gansaral (Rua Demóstenes, 885) é um misto de restaurante e centro cultural que funciona na antiga residência dos Volkmer, cujo patriarca desembarcou por aqui em 1929, vindo da cidade de Leipzig.
Por ali, também resistem algumas poucas tabernas germânicas da cidade. É o caso do Die Meister Stube (Rua Barão do Triunfo, 1213) e do Zur Alten Mühle (Rua Princesa Isabel, 102), famoso pelo chope e pelos canapés.
Ay, que rico!
De todos os países da América Latina, nenhum ganhou tanta relevância quanto o Peru na cena paulistana dos últimos tempos. Em parte, pelo aumento da migração de lá para cá, mas muito também pelo crescente destaque do país andino na gastronomia. E por aqui seus ceviches e lomos saltados ganharam na figura de Edgar Villar seu maior divulgador.
Peruano de Apurímac, zona rural peruana, ele abriu na Santa Ifigênia o restaurante Rinconcito Peruano (Rua Aurora, 443). O que era para atender imigrantes como ele se tornou um fenômeno e hoje, duas décadas depois, é uma rede com uma dezena de unidades na capital.
Perto dali, nos Campos Elíseos, um casarão foi escolhido para abrigar o Ama.zo Cozinha Peruana (Rua Guaianases, 1149 – também com unidade no Shopping Higienópolis), onde o chef Enrique Paredes mostra uma culinária típica com traços mais contemporâneos, com clássicos à sua moda. “Faço releituras de ceviche, como a versão que é preparada com cacau e ingredientes da Amazônia peruana”, conta ele.
Enquanto os peruanos ocupam aqueles pedaço do centro, bolivianos se concentram em regiões de atividade têxtil, como Brás, Bom Retiro e Pari. Pertinho dali, na região do Canindé, organizam aos domingos a famosa Feira Kantuta, onde barracas contam um pouco da cultura e dos sabores da Bolívia.
Pela cidade, ainda dá para sentir um gostinho da Colômbia com suas arepas e empanadas de milho no Macondo Raízes Colombianas (Rua Cardeal Arcoverde, 1361). E, também em Pinheiros, uma pequena amostra gastronômica de diferentes países latinos no bar Exquisito! (Rua Artur de Azevedo, 2079) ou o gosto mexicano no premiado Metzi do casal Luana Sabino, brasileira, e Eduardo Ortiz, mexicano (Rua João Moura, 861).
We Are The World
São Paulo é mesmo um mundo! Quer conhecer um pouco mais da cultura judaica? Pois Higienópolis concentra cerca de 40% dos judeus que vivem em São Paulo.
O bairro, que nasceu como um refúgio para a elite da cidade no final do século 19, tem endereços de comidas típicas como o Pinati (Rua Armando Álvares Penteado, 56), famoso pelo hommus e pelo falafel, a Kez Padaria (Rua Sabará, 347), que serve um brunch judaico com bagel, pastrami e salmão defumado, e não podemos deixar de citar a Casa Zilanna, que desde 1972 oferece pratos e produtos típicos em seu empório para comer em casa.
Outro bairro em que a colônia se instalou é o Bom Retiro, onde o Shoshana Delishop (Rua Correia de Melo, 206), que recentemente passou por uma bela repaginada, serve há 30 anos comida diaspórica.
E tem ainda os africanos! Aqui, vale sempre lembrar que a África é um continente grande e diverso, com uma gastronomia ao mesmo tempo deliciosa e um tanto desconhecida para nós. Muitos dos que vieram de lá se instalaram no centro, onde abriram destinos como o Biyou’Z (Alameda Barão de Limeira, 19), da chef camaronesa Melanito Biyouha, mas há outras iniciativas espalhadas pela capital, como o Congolinária.
Nas duas unidades, uma no Sumaré (Rua Prof. Alfonso Bovero, 382) e outra próximo ao Mercado Municipal da Penha (Rua Caquito, 251), o congolês Pitchou Luhata oferece um rodízio de pratos típicos veganos, como acarajé africano em cama de quiabo e pasta de amendoim e fufu com couve na mwamba.