No tabuleiro da baiana tem… Conheça a história do Pão Delícia, iguaria da Bahia
Presença garantida em aniversários, batizados, casamentos e até em menus de restaurantes badalados, o Pão Delícia nasceu de um erro e acabou se transformando em uma verdadeira instituição baiana
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Um dos pratos mais vendidos do restaurante Origem, de Salvador: Pão Delícia recheado com carne crocante • Leonardo Machado Freire
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Chef- pâtissière Lisiane Arouca, do Origem, em Salvador • Divulgação
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No Origem, de Salvador, o Pão Delícia aparece em forma de snack: recheios variam de acordo com o cardápio da semana • Leonardo Freire/Divulgação
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Pão Delícia da Confeitaria Baianada: recheio de queijo, gorgonzola, frango, romeu e julieta e churros • Divulgaão
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Kedma Coelho e Antonio Ferreira, da Baianada, casa especializada em quitutes baianos, na Liberdade, em São Paulo: mais de 3 mil unidades por mês
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Se fosse possível comparar o sabor do Pão Delícia com algo seria, sem a menor dúvida, a uma nuvem – apesar de nunca ter comida uma. É diferente de todos os outros pães. Doce e salgado, leve e untuoso, delicado e potente. Um show de descrições antagônicas, mas que se completam quando se trata dessa receita nascida na Bahia.
O Pão Delícia é uma delícia e ponto. É o convidado de honra de todas as festas que acontecem na terra de Todos os Santos – de casamento a aniversário de criança. Diferente do acarajé que ganhou o Brasil afora, o Pão Delícia parece algo mais íntimo do povo do estado.
Não é fácil de ser achado em outras regiões do país e quando se dá a sorte de encontrá-los normalmente são preparados por… baianos. É uma merenda regional, com receitas variadas e jeitos de fazer passados de geração em geração.
A autoproclamada mãe da receita já perdeu as contas de quantos anos ela foi criada. Elíbia Portela, 75 anos, diz acreditar que a primeira vez que fez o tal pãozinho era ainda uma menina com pouco mais de 9 anos de idade.
“Nasceu por acaso, na verdade, de uma falha”, diz.
Sempre metida da cozinha de sua mãe, Jozília, uma das quituteiras mais famosas de Jacobina, interior da Bahia, Elíbia pegou uma massa descartada por falta de farinha de trigo – artigo de luxo na época na vendinha da cidade – e resolveu usá-la mesmo assim.
Muito mole e impossível de ser modelada a mão, usou duas colheres para distribuir as porções pela assadeira. Levou então os pães fermentados para o forno a lenha, que ocupava o quintal. A primeira leva queimou. A segunda, tostou.
Com medo de perder todo o preparo, resolveu deixar os últimos apenas na boca do forno, pegando um leve calor. Coisa rápida. Um de seus irmãos, que são sete, perguntou o que era aquilo.
“Pão”, respondeu a menina.
“Mas tá feio demais”, respondeu o rapaz sem titubear.
A menina correu na cozinha e pegou uma lata de manteiga e um pedaço de requeijão vindos da fazenda.
“Tasquei um tanto generoso de manteiga por cima e ralei o queijo na tentativa de camuflar os defeitos”, relembra.
No dia seguinte, quando a clientela da mãe chegou para pegar suas encomendas, um a um foi experimentando os tais pãezinhos que continuavam ali na assadeira.
“Isso é coisa da Elíbia”, repetia dona Jozília. E foi um tal de “que delícia, que delícia”. E assim, quase que naturalmente, a receita foi batizada.

Elíbia mudou-se para Salvador, vendeu quitutes para viver na cidade grande, virou culinarista, professora e apresentadora de TV há mais de 40 anos. Não faz ideia de quantas pessoas já ensinou a preparar sua criação mais famosa. Mas não cansa de repetir que o Pão Delícia foi uma salvação para si e para tantos outros.
“Quem sabe fazer não passa aperto”, diz.
Legado
Uma das alunas de Elíbia foi ninguém menos que a chef- pâtissière Lisiane Arouca, do Origem, eleito o 52º melhor restaurante da América Latina pelo Latin America’s 50 Best Restaurants.
“Aqui na Bahia, Elíbia é nossa Palmirinha”, resume Lisiane, que fez uma aula com a cozinheira quando estava começando sua carreira na cozinha.
Como toda baiana, Lisiane cresceu comendo Pão Delícia.
“Não é uma receita que está no dia a dia. É mais para ocasiões especiais”, explica.
Ou seja, é comida de celebração. E não pense que é fácil de preparar. A chef explica que a maior dificuldade é a textura, muito pegajosa. Além disso, como vai ao forno por apenas cinco minutos, algumas pessoas dizem que parecem estar crus.
Aí está o pulo do gato. Tudo deve ser medido e o tempo de fermentação respeitado. No fim, o preparo tem que ter um balanceamento perfeito para que não fique com gosto de farinha, fermento ou ovo. No Origem, o Pão Delícia aparece como snack e recebe recheios que variam de acordo com o cardápio da semana.
Os chefs Kedma Coelho e Antonio Ferreira também vieram da terra de Jorge Amado para São Paulo. Primeiro chegou Kedma, no auge da pandemia. Começou a fazer os Pães Delícia em casa e vender para amigos e conhecidos dos amigos. Dois anos depois, veio Antonio. Juntos, eles criaram a Baianada Confeitaria, especializada em quitutes baianos. Durante um tempo, continuaram trabalhando no esquema de entrega.
“A gente também montava uma banquinha na frente de casa para atender a clientela”, conta Kedma, que foi campeã do programa “Que Seja Doce”, do GNT.
Há pouco mais de um mês, os amigos conseguiram finalmente abrir um espaço próprio, na Liberdade. A casa, além de oferecer mungunzá (canjica para os paulistas) , queijadinha e bolo de coco, tem como carro-chefe o Pão Delícia. Por mês, eles vendem cerca de 3 mil unidades.
“Nós dois fazemos absolutamente tudo. É um processo totalmente artesanal”, explica a chef.
E a história se repete. Dois jovens baianos deixam sua terra para tentar a vida na cidade grande vendendo Pão Delícia. Assim como foi com Elíbia.
“Quem sabe fazer Pão Delícia não passa aperto.” A frase faz todo sentido mesmo depois de mais de meio século.
Aprenda
Pão Delícia da Bahia- chef-pâtissière Lisiane Arouca
Ingredientes:
– 3 ovos
– 70 g de manteiga
– 250 g de leite condensado
– 20 g de sal
– 20 g de fermento granulado
– 50 ml de óleo
– 600 ml de leite morno
– 1 kg de farinha de trigo
– Queijo parmesão ralado
Modo de preparo:
– Bata todos os ingredientes, exceto a farinha de trigo e o parmesão, no liquidificador
– Leve a mistura à batedeira com batedor gancho e acrescente a farinha de trigo
– Sove bastante
– Coloque a massa em um bowl, cubra com filme plástico e espere dobrar de tamanho
– Faça bolinhas de aproximadamente 20 g
– Disponha as bolinhas em uma assadeira untada com manteiga e polvilhada com farinha de trigo, mantendo espaço entre elas
– Deixe fermentar até que dobre de tamanho
– Asse em forno pré-aquecido em temperatura média por apenas 5 minutos; os pães ficarão branquinhos
– Passe um pouco de manteiga derretida por cima e salpique queijo parmesão ralado.