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    Inflação de junho foi a maior do Chile em quase 30 anos; entenda as causas

    Cotação do dólar ultrapassou os 1 mil pesos pela primeira vez na histórica, e inflação acumula alta de 12,5% em 12 meses

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business , em São Paulo

    A população do Chile participará em menos de dois meses de um referendo para aprovar, ou não, a proposta de nova Constituição do país. Ao mesmo tempo, o cenário econômico chileno é um dos piores das últimas décadas.

    A  inflação do país, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), atingiu em junho 12,5% no acumulado em 12 meses, o maior valor desde 1994.

    Já o peso chileno entrou em um forte movimento de desvalorização ante o  dólar. Em menos de um mês, a cotação da moeda norte-americana passou de cerca de 860 pesos para mais de 1.040, e atualmente ronda os 950. Foi a primeira vez na história que a marca dos mil pesos foi ultrapassada.

    Por trás desse cenário, especialistas apontam uma combinação de fatores domésticos e externos que agravaram o quadro inflacionário do país, indo desde a alta global dos combustíveis até uma incerteza política.

    Causas
    A situação da economia do Chile, com a piora recente, é “claramente uma combinação de exterior e interior, mas sem dúvida há um grande componente doméstico nessa inflação”, afirma Alberto Ramos, economista-chefe para a América Latina do Goldman Sachs.

    Domesticamente, ele cita um superaquecimento da economia chilena, com um forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), refletindo estímulos fiscais “exagerados” concedidos pelo governo durante a pandemia.

    “Em 2020, todos os países gastaram muito devido à pandemia, mas quase todos em 2021 reduziram essas transferências, e o Chile não, mas não tinha mais necessidade de um estímulo nessa magnitude porque a economia se recuperou muito rapidamente”, diz.

    Com um poder de compra maior, a demanda da população por produtos e serviços aumentou, levando a um correspondente aumento nos preços.

    Além da pressão de demanda, ele destaca um quadro de incerteza política e institucional no país, que começou em 2019. Naquele ano, milhares de chilenos foram às ruas demandando melhores condições de vida e uma nova Constituição.

    A insatisfação popular fez o então presidente Sebastian Piñera convocar um referendo que aprovou a criação de uma Assembleia Constituinte. Agora, os chilenos decidirão em 4 de setembro se aprovam o texto elaborado.

    “Ninguém sabe exatamente como esse processo terminará. Parece agora que os chilenos não querem aprovar a nova Constituição, estão mais inclinados a votar contra, então a incerteza vai se manter, porque seria preciso elaborar uma nova Constituição, retomar todo o processo”, afirma.

    Se a proposta não for aprovada, o grau de risco político transmitido à economia não deve aumentar, mas o cenário pode aumentar a instabilidade social e o nível de incertezas, prejudicando a economia, segundo Otaviano Canuto, Otaviano Canuto, pesquisador do Policy Center for the New South e ex-vice-presidente do Banco Mundial.

    Somadas às incertezas quanto a aprovação da Constituição, e uma insatisfação do mercado com o seu conteúdo, Ramos cita a transição entre Piñera, de centro-direita, para o atual presidente, Gabriel Boric, de esquerda.

    No poder desde o início do ano, Boric vem enfrentando uma forte perda de popularidade, aumentando a incerteza política e impactando na sua governabilidade.

    O presidente foi eleito com uma agenda de “profundas mudanças”, afirma Ramos, e pretende aprovar uma proposta de aumento de carga tributária para financiar uma “agenda ambiciosa de gastos”, o que não foi bem recebido por investidores.

    O cenário impacta diretamente no câmbio, com aumento de percepção de risco e desvalorização do peso, o que também piora a inflação. Como agravantes do cenário, Canuto cita uma forte queda recente nos preços do cobre, principal produto de exportação do Chile, o que desvaloriza a moeda, e as críticas do mercado à atuação do banco central chileno.

    “A rigor, a reação em termos de política monetária no Chile está aquém do que deveria ter sido. Claramente, a resposta do BC chileno na semana passada ficou aquém do que todo mundo esperava, imaginava-se que a reação teria uma intensidade compatível com os níveis de inflação”, avalia.

    Com uma alta de juros menor que o esperado, o peso chileno despencou, e a autarquia precisou intervir no mercado de câmbio em meio à saída de capital estrangeiro, injetando dólares no mercado para conter a alta da moeda.

    Ramos, do Goldman Sachs, pondera que o Banco Central do país “começou cedo a normalizar a política, subindo juros logo depois do Brasil”.

    A taxa chilena iniciou o ciclo de alta em 0,5% ao ano. Hoje, está em 9,75%, maior nível em 24 anos. “É um processo profundo que ainda não terminou, a taxa deve subir mais 1 ponto percentual, e o ciclo aparentemente vai perdurar ainda mais”.

    Por isso, ele não considera que a autarquia está sendo suave no combate à inflação, mas aponta tentativas de sinalizações de alívio do ciclo que posteriormente não se confirmaram, afetando a imagem do Banco Central.

    Canuto cita ainda uma proposta recente do governo chileno para aliviar o impacto da inflação sobre a população, com um novo pacote fiscal. Mesmo com uma justificativa social, ele tende a aquecer ainda mais a economia, piorando o quadro inflacionário.

    Somado a todos esses fatores, estão elementos externos comuns a diversos países, como o Brasil: alta de preços pelo descompasso de oferta e demanda global, valorização significativa no preço dos combustíveis seguindo o petróleo e retirada de investimentos devido ao ciclo de alta de juros nos Estados Unidos e temores de uma recessão mundial.

    Perspectivas
    Para Canuto, um possível alívio do quadro chileno dependerá de uma evolução positiva da taxa de câmbio, já que a transmissão de desvalorizações da moeda nos preços é elevada.

    Além disso, “o Banco Central precisa reagir adequadamente, independente dos demais riscos. Em um cenário de preços de custos altos pelo câmbio e demanda superaquecida, a inflação tende a não cair rapidamente”.

    Ele considera que a nova Constituição é o “ponto central” do cenário atual, e que mesmo que ela seja aprovada, a situação pode não aliviar inteiramente.

    “O conteúdo dela é que traz a incerteza em vários capítulos, e isso influencia no câmbio, gera preocupação. Mesmo se for aprovada, ela gera preocupação ao trazer implicações, mudanças, no modus operandi da economia chilena”, diz.

    Canuto lembra também que o banco central do Chile “não tem fraqueza de reservas internacionais, então pode se dar ao luxo de acomodar esse ajuste do câmbio reduzindo reservas, mas a política monetária precisa fazer o que tem que ser feito”.

    Já Ramos indica uma “perspectiva ruim” para a economia chilena, com uma continuidade de vetores internos e externos para a inflação.

    “A inflação no Chile está generalizada, as expectativas pioraram, impactando formação de salários. A inflação está ficando cada vez mais inercial, ou seja, vai demorar a cair, esperamos que só em 2024 ela chegue à meta”, afirma.

    “Mas ninguém quer voltar à Constituição atual, e uma maioria expressiva quer que a Constituição vá sendo mudada nas legislações seguintes à aprovação. Se for aprovada, ainda tem uns 4 anos de legislação secundária, ou seja, a incerteza não acaba”, avalia.

    Para ele, o mercado não deve receber bem nenhum dos resultados do referendo, seja uma aprovação ou uma rejeição ao texto, que demandaria um recomeço de todo o professo e “prolonga essa agonia e incerteza sobre o país”.

     

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