Análise: Cinco dias que mudaram a guerra na Ucrânia
Segundo analista, após semana decisiva para Ocidente e Rússia, realidade é desanimadora e demostra que guerra pode estar longe do fim
Esta foi a semana em que a guerra na Ucrânia realmente fez a transição de luta sangrenta de uma nação pela libertação do violento ataque da Rússia para uma luta de poder com potencial duração de anos.
Todos os dias trouxeram uma sensação de eventos históricos e decisões graves que não apenas decidirão quem vence a maior guerra terrestre entre dois países da Europa desde a Segunda Guerra Mundial, mas que também moldarão o curso do resto do século 21.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, declarou na quinta-feira (28) que dois meses de luta na guerra desencadeada pela invasão não provocada do presidente russo, Vladimir Putin, levaram o mundo a um ponto crítico.
“Ao longo de nossa história, aprendemos que quando os ditadores não pagam o preço por sua agressão, eles causam mais caos e se envolvem em mais agressão”, disse Biden. “Eles continuam. E os custos, as ameaças aos Estados Unidos e ao mundo continuam aumentando. Não podemos deixar isso acontecer”.
A secretária de Relações Exteriores britânica, Liz Truss, foi mais direta: “A geopolítica está de volta”.
Em apenas alguns dias, uma nova percepção surgiu em Washington, na Europa, em Kiev e em Moscou. A guerra está agora em transição para se tornar uma luta longa e amarga, que provavelmente custará milhares de vidas a mais e dezenas de bilhões de dólares.
A estratégia dos EUA agora é inequívoca e pública – enfraquecer a Rússia para diminuir sua ameaça global. Há novos sinais do desejo do Kremlin de erradicar a cultura ucraniana por meio de sua pulverização das cidades do leste e do sul.
E Putin desencadeou uma nova frente de guerra – a energética – ao cortar o fornecimento de gás natural para a Bulgária e a Polônia, no que a União Europeia rapidamente chamou de “chantagem”.
À medida que esses objetivos conflitantes entraram em foco, a retórica nuclear esquentou mais uma vez, com a Rússia alertando rapidamente sobre o poder implícito de seu vasto arsenal e Washington tentando evitar um ciclo de escalada que poderia levar a um confronto direto entre as superpotências.
Enquanto isso, a carnificina na Ucrânia continua. Ataques violentos e cercos a áreas civis antecederam o nova agressão da Rússia ao sul e leste ucranianos – batalhas que podem decidir se a Ucrânia sobreviverá como nação.
No entanto, esta semana também trouxe os primeiros sinais de que os russos acusados de atrocidades podem ser responsabilizados.
Mas a realidade alarmante de que não existe um caminho diplomático confiável para acabar com a guerra foi revelada quando mísseis russos atingiram Kiev na quinta-feira (28), enquanto o secretário-geral da ONU, António Guterres, ainda estava na cidade em uma missão aparentemente fútil, que começou no início da semana com conversas tensas com Putin.
Uma guerra em expansão
Uma visita a Kiev do secretário de Defesa americano, Lloyd Austin, e do secretário de Estado, Antony Blinken, sob um apagão de notícias no domingo (24) preparou o terreno para uma semana em que o Ocidente se aprofundou cada vez mais no que parece ser uma guerra “por procuração” com a Rússia.
“Queremos ver a Rússia enfraquecida a ponto de não poder fazer o tipo de coisa que fez ao invadir a Ucrânia”, disse Austin, na Polônia, após voltar da Ucrânia.
Blinken conjurou um futuro de longo prazo que deve ter antagonizado o homem forte do Kremlin, dizendo que haverá uma Ucrânia independente e soberana “por muito mais tempo do que um Vladimir Putin”.
Os EUA apoiaram sua nova clareza estratégica reunindo os principais ministros da defesa global na Alemanha e se comprometendo com reuniões mensais para avaliar as necessidades do governo em Kiev.
Esses movimentos alimentaram uma sensação crescente de que a guerra na Ucrânia não terminará tão cedo. O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse na quinta-feira que a guerra pode “se arrastar, durando meses e anos”.
Truss, enquanto isso, pediu uma expansão da ajuda militar dos EUA e do Ocidente para se proteger contra o expansionismo russo – pedindo o envio de armas para nações nos Balcãs Ocidentais e para a Geórgia e Moldávia, Estados não pertencentes à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
A Rússia respondeu à estratégia ocidental mais dura tomando suas próprias medidas para ampliar as marcas do conflito, cortando as exportações de gás natural para a Polônia e a Bulgária depois que esses países se recusaram a aderir ao esquema de evasão de sanções e não pagaram suas contas em rublos. Caso a guerra energética seja ampliada ainda mais, isso poderia levar a Europa à recessão.
As consequências globais cataclísmicas da guerra foram ressaltadas quando o Banco Mundial alertou para o pior choque das commodities em 50 anos.
A Rússia e a Ucrânia são os principais produtores de carvão, petróleo, gás natural e óleos de cozinha, e os orçamentos de milhões de pessoas em todo o mundo serão atingidos.
O provável fracasso da safra deste verão na Ucrânia – uma importante fonte de trigo e milho para o mundo – pode levar os preços dos alimentos a uma nova espiral inflacionária e alimentar uma maior insegurança alimentar.
Nos EUA, preços mais altos podem ter grande impacto nas eleições de meio de mandato que acontecem em novembro.
Biden encerrou a semana que reformulou o mundo ao apresentar um pedido extraordinário de US$ 33 bilhões ao Congresso para armas, apoio econômico e ajuda humanitária à Ucrânia, alertando: “O custo dessa luta não é barato”.
O pedido do presidente destacou como a guerra na Ucrânia não é apenas uma posição definidora de seu governo, mas que os eventos dos últimos dias causarão reações em cadeia nas áreas políticas, econômicas e geopolíticas, que serão impossíveis de prever e difíceis de controlar.
Retórica nuclear alarmante
A ampliação estratégica da guerra foi acompanhada por uma nova rodada da retórica nuclear alarmante de Moscou.
Embora conversas casuais sobre o uso das armas mais perigosas do mundo possam ser projetadas para assustar as populações ocidentais, elas ressaltam que a possibilidade de um confronto desastroso entre as duas nações nucleares mais poderosas do mundo – os Estados Unidos e a Rússia – existirá enquanto a guerra continua.
Alguns especialistas dos EUA descartam que as falas duras da Rússia sejam um sinal de que Putin está frustrado por não cumprir seus objetivos estratégicos na Ucrânia.
Mas elas também serve para lembrar aos líderes ocidentais que a injeção maciça de armas na Ucrânia pode atravessar o limite difícil de definir de Putin e causar uma escalada perigosa.
E persistem os temores de que, se for encurralado, Putin possa implantar uma das armas nucleares táticas de menor alcance da Rússia no campo de batalha na Ucrânia.
À medida que os EUA expunham sua abordagem endurecida à guerra, enfraquecendo o poder militar russo, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, mais uma vez recorreu à já conhecida tática russa de falar sobre guerra nuclear, alertando: “O perigo é real e não devemos subestimá-lo”.
Para os EUA, o presidente do Estado Maior, general Mark Milley, disse à CNN que a Rússia não deveria lançar uma retórica tão inflamatória.
Ele disse que isso era “completamente irresponsável” para qualquer líder do alto escalão de uma potência nuclear começar a “fazer barulho sobre poder nuclear”.
Mas Putin não estava ouvindo. Depois de várias advertências sombrias sobre a potência do arsenal nuclear da Rússia no início da guerra, o presidente russo voltou a atacar.
Ele disse que haveria uma resposta “rápida como um relâmpago” da Rússia se outros países interferissem na Ucrânia.
“Temos todas as ferramentas para isso, aquelas das quais ninguém pode se gabar. E não vamos nos gabar. Vamos usá-las se necessário. E quero que todos saibam disso”, disse ele aos legisladores em São Petersburgo.
Isso tudo fez com que Biden alertasse sobre o perigo de tal retórica. “Ninguém deveria fazer comentários implícitos sobre o uso de armas nucleares ou a possibilidade da necessidade de usá-las”, disse Biden, na Casa Branca, na quinta-feira.
Trocas de comentários amargos como esses entre a Rússia e os Estados Unidos levaram as relações entre os dois países “para as profundezas”, disse o embaixador dos EUA na Rússia, John Sullivan, à CNN na quinta-feira.
A carnificina fica pior
O esforço russo para controlar o leste e o sul da Ucrânia e para estrangular o país cortando seu acesso ao Mar Negro – uma nova fase da estratégia de guerra de Moscou depois de não conseguir entrar em Kiev – está se intensificando. Mas uma coisa não mudou. Em uma expressão da determinação e crueldade de Putin, o peso do horror sobrou para os civis ucranianos.
Os soldados russos também estão aparentemente pagando um preço extraordinário pela obsessão de seu líder com a Ucrânia.
Os militares da Ucrânia disseram na quinta-feira que as forças russas estão abrindo fogo intenso em várias frentes. Eles estão buscando avanços na área de Izium, no leste da Ucrânia, e tentando avançar pelas regiões de Donetsk e Luhansk.
Em outro indicador de que a guerra pode se arrastar por muito mais tempo, um funcionário do alto escalão da defesa dos EUA disse que as forças russas estavam apenas fazendo progresso “lento e incremental” na região de Donbass, em parte devido a problemas de logística e sustentação.
Mas os ataques da Rússia a civis ainda estão causando uma carnificina terrível. Ivan Fedorov, prefeito da cidade de Melitopol, alertou esta semana que as forças de Putin queriam “matar toda a nação ucraniana”.
Enquanto isso, uma equipe da CNN visitou a cidade de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, que está sob constante bombardeio russo, e presenciou uma devastação extraordinária.
Uma nova e impressionante avaliação do Alto Comissariado da ONU para Refugiados projetou que 8,3 milhões de refugiados agora devem fugir do país. Até segunda-feira (25), 5,2 milhões já tinham partido.
O descaso insensível de Putin pela vida não se limita aos ucranianos que são o alvo de suas armas. O secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, disse na segunda-feira que aproximadamente 15 mil militares russos foram mortos na Ucrânia em pouco mais de dois meses.
Em uma nota mais esperançosa, houve sinais esta semana de que os russos podem enfrentar alguma responsabilidade por aparentes crimes de guerra.
Um vídeo feito por drone autenticado e geolocalizado pela CNN mostra veículos russos nas ruas perto de corpos de civis mortos em Bucha, nos arredores de Kiev. As evidências podem ajudar a contradizer as negações russas de que suas tropas executaram ucranianos a sangue frio.
E a procuradora-geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, disse na quinta-feira que 10 soldados russos supostamente envolvidos na tortura de civis na cidade foram identificados.
A diplomacia esfria
A grande esperança diplomática da semana era a viagem de António Guterres, da ONU, a Moscou e Kiev. Mas nenhum dos lados parece ver uma razão para falar agora.

Isso se deve, em parte à compreensível desconfiança da Ucrânia em relação a Putin após sua invasão não provocada.
Mas também há uma sensação na Ucrânia e nas capitais ocidentais de que a indiferença de Putin ao custo sangrento de sua guerra é um sinal claro de que ele está empenhado em continuar até que tenha motivos razoáveis para declarar algum tipo de vitória que ainda não está à vista.
Guterres disse à CNN que Putin concordou, a princípio, em permitir que a ONU e a Cruz Vermelha Internacional ajudassem a evacuar cidadãos da siderúrgica Azovstal, em Mariupol, o último bastião da resistência ucraniana na cidade.
Mas sua viagem a Kiev na quinta-feira, que terminou quando mísseis russos atingiram a cidade, foi um símbolo adequado da atual atitude da Rússia em relação à diplomacia – e seu desprezo pelo Estado de direito internacional, o qual a ONU foi criada para preservar.
A realidade desanimadora no final de uma semana decisiva para o Ocidente e a Rússia é que a paz na Ucrânia pode estar mais distante do que esteve desde a invasão.
E enquanto o Ocidente pode enviar uma torrente de armas, munições e ajudas para o país, não pode acabar com uma guerra que enviará ondas de choque políticas, militares e econômicas dolorosas e perigosas ao redor do mundo nos próximos meses. Só Putin pode fazer isso.
Como Guterres disse em sua entrevista a Anderson Cooper, da CNN, “A guerra não terminará com reuniões. A guerra terminará quando a Federação Russa decidir encerrá-la e quando houver um acordo político sério. Podemos fazer todas as reuniões, mas isso é não o que vai acabar com a guerra”.
