Especialistas avaliam ida de Bolsonaro à Rússia em momento de tensões com a Ucrânia
Presidente brasileiro se encontrará com Vladimir Putin nesta semana, com quem pretende discutir temas como agronegócio, defesa e energia
O presidente Jair Bolsonaro (PL) viaja, nesta segunda-feira (14), com uma comitiva brasileira para Moscou, onde deve se encontrar com o presidente russo Vladimir Putin.
Nos últimos dias, Bolsonaro reafirmou a manutenção da viagem apesar da iminência de conflito envolvendo a Rússia, Ucrânia e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). "Vou à Rússia por convite, comércio e paz”, disse o presidente à CNN.
O encontro contará apenas com a presença dos dois chefes de estado e dos tradutores. Em seguida, farão um pronunciamento de até 15 minutos cada um.
Especialistas ouvidos pela CNN comentaram sobre o momento delicado da visita de Bolsonaro à Rússia e o papel diplomático que o Brasil exerce com a viagem, que acontece diante de tensões envolvendo um possível conflito com a Ucrânia e pressão de países ocidentais como os Estados Unidos e membros da Otan.
Não era possível para o presidente adiar essa viagem
O especialista CNN Rubens Barbosa considera que o presidente Jair Bolsonaro não tinha condições de adiar a viagem à Rússia. O ex-embaixador ressaltou que a visita foi marcada em outubro do ano passado, quando não havia sinais de crises na região.
Barbosa ainda avaliou que a viagem "está sendo colocada dentro de um contexto em que o governo brasileiro procura mostrar que não está isolado". Segundo o especialista CNN, caso o Brasil cedesse às pressões dos Estados Unidos para que Bolsonaro cancelasse a viagem, o país seria interpretado com "fraqueza e submissão aos interesses americanos".
O ex-embaixador reforçou que "o Brasil está tomando decisões soberanamente", e que o país "já se colocou favorável à solução pacífica contra qualquer intervenção armada e a favor da soberania dos países".
Barbosa ainda descartou a possibilidade de uma invasão russa à Ucrânia acontece justamente no momento em que Bolsonaro estiver visitando Putin. Segundo o ex-embaixador, "a visita não é um equívoco porque não vai haver risco maior de haver uma intervenção militar durante a visita. Isso não vai ocorrer e ele [Jair Bolsonaro] vao defender interesses concretos nossos lá".
De acordo com o especialista CNN, Brasil e Rússia são importantes parceiros econômicos, principalmente no que diz respeito ao comércio envolvendo a agricultura. "O desenvolvimento das relações entre os dois países vai ser nas áreas de extração mineral e na área agrícola", analisou Barbosa.
Bolsonaro visita a Rússia para fugir de isolamento diplomático
Na opinião do professor da USP e historiador especializado em Rússia, Angelo Segrillo, a visita do presidente brasileiro é uma tentativa de "sair um pouco do isolamento diplomático que ele se encontra desde que Trump saiu da presidência dos Estados Unidos".
Ele explica que a intenção se repete pelo lado de Putin. "Ele está também um pouco isolado diplomaticamente. Por isso, é importante para ele ter a visita", disse.
"O Brasil não é um país central nesse conflito, mas o Brasil é metade da América do Sul. Então, ter a presença do presidente brasileiro lá é uma forma de reafirmar o prestígio do Putin", completou.
O professor ainda acrescenta que o presidente brasileiro deve falar sobre a Ucrânia somente se o próprio Putin levantar o tema.
Bolsonaro destacou à CNN que a viagem servirá para tratar de interesses comerciais, como na área de energia e agronegócio (fertilizantes).
Porém, o professor Segrillo, que também é pesquisador do Instituto Pushkin de Moscou, disse que "o motivo apresentado não é muito crível". "Não faz muito sentido o presidente brasileiro ir à Rússia para tratar de assuntos de importação. Para isso, deveria ir a ministra da Agricultura, que não vai porque está com Covid-19. Acho que a visita é mais por motivos políticos", argumentou.
Ele destaca que Bolsonaro e Putin encontram afinidade na forma como pensam algumas questões. "O conservadorismo de costumes. O Putin diz que sua ideologia é o conservadorismo saudável. Acho que eles estão fazendo uma conexão por aí", disse.
Margem de atuação do Brasil em negociação é muito pequena
A professora de Relações Internacionais da ESPM Denilde Holzhacker avalia que o presidente Bolsonaro irá visitar a Rússia em um "momento crítico". No entanto, de acordo com a especialista, o Brasil tem pouco a fazer diante das tensões envolvendo a Ucrânia.
"Apesar do Brasil ser considerado um país importante no cenário internacional, a nossa margem de atuação em negociação é muito pequena", considerou.
Holzhacker alertou para a impressão que a comitiva brasileira pode causar de supostamente estar apoiando os interesses do presidente russo Vladimir Putin. "É um momento muito delicado, porque pode sinalizar um apoio brasileiro ao pleito do Putin e da Rússia que não necessariamente está dentro da nossa agenda de política externa", disse.
Na opinião da professora, o Brasil tem apoiado e construído uma aproximação crescente com os Estados Unidos e demais membros da Otan. Contudo, o país também possui uma relação econômica importante com a Rússia, principalmente em assuntos envolvendo o agronegócio. Para ela, a viagem "coloca um quesionamento sobre quais são os nossos interesses".
No entanto, Holzhacker reforça que as tensões envolvendo Rússia e Ucrânia não encontram nenhum interesse direto do Brasil. Segundo a especialista, o país deve manter os canais diplomáticos abertos, já que não tem capacidade de fazer uma intermediação ou uma negociação diante da iminência de um conflito.
"Vitória diplomática para Rússia"
Para Maurício Santoro, cientista político e professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a ida do presidente Jair Bolsonaro à Rússia pode ser considerada uma vitória diplomática para Putin e a Rússia.
Conforme explicou durante entrevista à CNN nesta segunda-feira (14), a viagem pode ser utilizada pelo governo russo para "mostrar" que não estão isolados na questão política.
"Se fosse um momento normal da política internacional, essa viagem seria perfeitamente legítima e tranquila, a Rússia é parceiro comercial e político do Brasil. O problema é a conjuntura, um cenário de tensões envolvendo Rússia, União Europeia e Estados Unidos e o risco de que o Brasil acabe vítima desse 'fogo cruzado' entre países que são parceiros", coloca o professor.
Santoro avalia que outro grande risco é que gestos de Bolsonaro sejam interpretados como apoio a Vladimir Putin, mesmo que o presidente russo não deva tentar "nenhuma ação que represente constrangimento" contra Bolsonaro.
"Nesse momento, me parece que a melhor solução seria adiar a visita. Manter essa visita na agenda, mas não para agora", diz. "Para o presidente Putin, o simples fato de o presidente Bolsonaro estar indo para a Rússia é uma vitória diplomática", complementou Santoro durante a entrevista.
O professor explica que uma guerra na Ucrânia pode atingir o mercado internacional e, portanto, o Brasil - com aumento do preço do petróleo, fertilizantes, entre outros produtos. Assim, ele entende que o melhor caminho é manter a posição para que o conflito possa ser solucionado de maneira pacífica.
"Nesse momento, me parece que a melhor solução seria adiar a visita. Manter na agenda, mas adiar", diz Santoro.
*com produção de Elis Franco, Duda Cambraia e Layane Serrano, da CNN