PEC ou MP: entenda os caminhos do orçamento da transição
Se optar pela PEC, Lula precisará negociar com o Congresso; se seguir pelo caminho da MP, pode depender de Bolsonaro
A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discute com o Congresso a chamada “PEC da transição”, como uma alternativa para conseguir cumprir promessas de campanha excedendo o limite imposto pelo teto de gastos.
O principal objetivo é manter o pagamento do Auxílio Brasil de 2023 no valor de R$ 600 e garantir um aumento do salário mínimo acima da inflação. Na previsão orçamentária para o ano que vem, não há espaço para as medidas.
Diante da dificuldade para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o governo eleito analisa a possibilidade de abrir um crédito extraordinário via medida provisória (MP). Desse modo, o Executivo não precisaria do aval do Congresso entrar em vigor.
A estimativa é que, para contemplar todos os gastos extras pretendidos pelo governo Lula, sejam necessários cerca de R$175 bilhões. A solução precisa estar pronta até o dia 15 de dezembro para que o pagamento do benefício de janeiro de 2023 não seja comprometido, já que, no Orçamento do ano que vem, ele consta no valor de R$ 405.
PEC
A PEC é considerada a alternativa com maior segurança jurídica. Ao contrário da MP, a aprovação de uma emenda seria uma garantia definitiva da continuidade do auxílio no valor de R$ 600.
Para aprovar uma PEC, no entanto, é preciso ter uma maioria de três quintos dos parlamentares, em dois turnos de votação, tanto na Câmara como no Senado, fora a tramitação em comissões.
Para que a proposta seja aprovada no Congresso, Lula teria que conseguir o apoio dos senadores e deputados antes mesmo de tomar posse.
De acordo com informações do analista da CNN Gustavo Uribe, integrantes da base aliada do presidente eleito criticam o caminho da PEC. Eles acreditam que, se seguir por ele, Lula precisará negociar com o Centrão e ceder cargos para os integrantes do bloco em detrimento dos aliados de primeira hora.
A dependência do Centrão para a aprovação do Poder Legislativo traria um efeito indesejável para o futuro governo, segundo a advogada constitucionalista Vera Chemim.
“O centrão constitui a maioria legislativa e acabaria dando as cartas logo de cara no governo Lula, notadamente quanto à continuidade do chamado orçamento secreto ou emendas do relator”, avalia.
Para Vera, a extrapolação do teto de gastos, via PEC, seria mais viável do ponto de vista jurídico-constitucional.
“A despeito da maior dificuldade em se aprovar uma PEC, ela daria não apenas segurança jurídica maior para a execução daquela transferência de renda, como já preveria uma forma de sua exclusão do teto de gastos e qual receita a garantiria e, por óbvio, o valor exato dessa conta a ser alterada na Lei Orçamentária Anual (LOA)”, coloca.
“É preciso lembrar que o governo não pode se endividar para bancar gastos de natureza corrente (a chamada regra de ouro do orçamento público)”, acrescenta.
MP
Para entrar em vigor, uma medida provisória precisa apenas do aval do presidente da República. Ela entra em vigor assim que é publicada, e tem até 120 dias para ser aprovada pelo Congresso. Se não for, perde a validade.
Se optar por uma MP, precisaria uma “canetada” do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), ou teria que esperar pela posse do futuro presidente, Lula. Se for esperar, o petista corre o risco de que o pagamento do Auxílio Brasil do mês de janeiro seja de R$ 405.
Se depender de Bolsonaro, o futuro governo pode ficar sem a contemplação total da sua promessa de campanha.
De acordo com Gustavo Uribe, o governo de ocasião tem dado sinalizações de que aceitaria apenas liberar o valor para o pagamento dos R$ 600, e não para a promessa de Lula de pagar R$ 150 reais para as famílias com filhos de até seis anos.
Outro porém é que a MP precisa do intermédio do Tribunal de Contas da União (TCU), que teria que analisar a abertura de crédito extraordinário para deliberação.
Em entrevista à CNN, o presidente em exercício do TCU, Bruno Dantas, disse que a decisão sobre optar por uma PEC ou por uma MP não compete ao tribunal, mas, sim, ao Congresso e ao presidente eleito, se configurando como uma decisão política”.
O presidente do TCU explicou que, caso o governo eleito faça uma consulta sobre a possibilidade de abertura de crédito extraordinário, o tribunal realizará a análise.
“O TCU tem uma jurisprudência sobre a possibilidade de abertura de créditos extraordinários. E se houver uma consulta, ela será distribuída ao relator, esse relator ouvirá a área técnica do TCU, e aí sim levará à deliberação do plenário”, disse.
As Medidas Provisórias são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. O prazo inicial de vigência de uma MP é de 60 dias, prorrogado automaticamente por igual período caso não tenha sua votação concluída nas duas Casas do Congresso Nacional. Se não for apreciada em até 45 dias, contados da sua publicação, entra em regime de urgência.
TCU e Casa Civil
De acordo com a analista da CNN Raquel Landim, a questão não é vista como uma emergência pelos técnicos da equipe econômica que teriam que assinar o pedido de crédito extraordinário.
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, enviou uma mensagem de WhatsApp aos seus contatos em que critica a opção de crédito extraordinário.
“Os técnicos em finanças públicas entendem que, para abrir um crédito extraordinário da forma tradicional prevista na Constituição, como exceção ao teto de gastos, precisa-se justificar a urgência e imprevisibilidade. Como fazer isso para uma despesa continuada, como o Auxílio Brasil?”, escreve o ministro.
“Eles apontam que não parece que o simples fato da falta de recursos seja justificativa suficiente para respaldar a edição de um crédito extraordinário. Lembrando que os créditos extraordinários do auxílio emergencial tiveram respaldo em uma PEC”, continuou Ciro Nogueira.
Também em mensagem disparada pelo WhatsApp, o chefe da Casa Civil de Bolsonaro afirmou que, ao recorrer ao TCU para um eventual aval à aprovação do crédito extraordinário, o novo governo fará do Legislativo um “órgão acessório” da Corte de contas.
Em entrevista à CNN, o presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, comentou as mensagens de Ciro Nogueira.
“O ministro Ciro Nogueira conhece profundamente o TCU e sabe o quanto a Corte respeita o Poder Legislativo e é ciosa dos limites de sua competência constitucional. Nosso campo de atuação é técnico e não político”, disse.