Fóssil de peixe-pênis com dentes peludos é encontrado no Grand Canyon; veja

Descobertas recentes mostram como a região ofereceu condições ideias para o surgimento de vida complexa há meio bilhão de anos

Kameryn Griesser, da CNN
Paleontólogos encontram fósseis extraordinários no Grand Canyon que podem explicar melhor o surgimento de vida complexa no planeta  • Jason Muhlbauer via CNN Newsource
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Paleontólogos descobriram fósseis extraordinários no Grand Canyon que revelam novos detalhes sobre o surgimento de vida complexa há meio bilhão de anos.

Os vestígios recentes de fauna da região sugerem que ela oferecia condições ideais para o florescimento e a diversificação da vida, em uma zona habitável mediana entre os extremos severos de outras regiões. Essa oportunidade evolutiva produziu uma infinidade de animais primitivos, incluindo indivíduos excêntricos com adaptações peculiares para a sobrevivência, de acordo com uma nova pesquisa.

Durante a explosão Cambriana, que ocorreu nas águas costeiras dos oceanos da Terra há cerca de 540 milhões de anos, a maioria dos tipos de corpos animais que existem hoje surgiram em um período de tempo relativamente curto, acreditam os cientistas.

Naquela época, o Grand Canyon ficava mais perto do Equador, e a região era coberta por um mar quente e raso, repleto de vida crescente — criaturas aquáticas parecidas com camarões, tatuzinhos-de-jardim e lesmas modernos — todas desenvolvendo novas maneiras de explorar os recursos abundantes.

Pesquisadores recorreram às camadas de rochas sedimentares do Grand Canyon para desvendar os segredos desse momento crucial na história da vida, escavando o xisto escamoso e argiloso da Formação Bright Angel, onde a maioria dos fósseis da era Cambriana do cânion foram encontrados.

A equipe de estudo esperava recuperar principalmente restos fossilizados de invertebrados de concha dura típicos da região. Em vez disso, a equipe desenterrou algo incomum: rochas contendo fragmentos internos bem preservados de minúsculos moluscos de corpo mole, crustáceos e priapulídeos, também conhecidos como vermes-pênis ou peixes-pênis.

Pesquisadores descobriram partes internas do corpo da fauna cambriana preservadas, como pedaços de esternos de crustáceos. • Mussini et al. via CNN Newsource
Pesquisadores descobriram partes internas do corpo da fauna cambriana preservadas, como pedaços de esternos de crustáceos. • Mussini et al. via CNN Newsource

“Com esses tipos de fósseis, podemos estudar melhor sua morfologia, sua aparência e seu estilo de vida com uma resolução muito maior, o que não é possível com as partes conchosas”, disse Giovanni Mussini, o primeiro autor do estudo publicado na quarta-feira na revista Science Advances. “É uma nova janela para a vida cambriana no Grand Canyon.”

Usando microscópios de alta potência, a equipe conseguiu investigar inovações como cadeias de dentes em miniatura de moluscos raspadores de rochas e membros e molares peludos de crustáceos que se alimentam por filtração, proporcionando uma visão rara das formas biologicamente complexas pelas quais os animais do Cambriano se adaptaram para capturar e comer presas.

Adaptações estranhas de animais cambrianos

Embora alguns dos mecanismos de alimentação descobertos nos fósseis do Grand Canyon ainda existam hoje, outros são muito mais estranhos.

Entre os mais bizarros: vermes com formato fálico que viravam a boca do avesso, revelando uma garganta coberta de dentes peludos. Veja uma ilustração de como seria o animal:

 

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Esses vermes, também conhecidos como vermes-cacto, estão praticamente extintos hoje, mas eram comuns durante o Cambriano. O verme fossilizado encontrado no Grand Canyon representa uma espécie até então desconhecida.

Devido ao seu tamanho relativamente grande — cerca de 10 centímetros — e aos dentes distintos, foi chamado de Kraytdraco spectatus, em homenagem ao dragão Krayt fictício do universo Star Wars, disse Mussini. Este verme-pênis em particular parece ter tido um gradiente de centenas de dentes ramificados usados para varrer o alimento para dentro de uma boca extensível.

“É um pouco difícil entender exatamente como ele se alimentava”, disse Mussini. “Mas provavelmente ele se alimentava de detritos no fundo do mar, raspando-os com alguns dos dentes mais robustos que possuía e, em seguida, usando outros dentes mais delicados para filtrá-los e retê-los dentro daquela boca longa, tubular.”

Fileiras de minúsculos molares, partes esternais e membros semelhantes a pentes que pertenceram a crustáceos também estavam entre as descobertas, todas datadas de 507 milhões a 502 milhões de anos atrás.

Semelhante ao camarão de água salgada atual, os crustáceos usavam esses membros de pelos finos para capturar alimentos flutuantes na água e levá-los à boca, onde os molares trituravam as partículas, explicou Mussini. Aninhados entre os molares, os pesquisadores até encontraram alguns plânctons azarados.

Outras criaturas semelhantes aos seus equivalentes modernos incluíam moluscos semelhantes a lesmas. Os fósseis revelaram cadeias de dentes que provavelmente os ajudavam a raspar algas ou bactérias do fundo do mar.

“Para cada um desses animais, há componentes diferentes, mas a maior parte do que descobrimos está diretamente relacionada à maneira como esses animais processavam seus alimentos, o que é uma das partes mais interessantes, porque nos diz muito sobre seu estilo de vida e, consequentemente, suas implicações ecológicas”, disse Mussini.

A zona perfeita para a inovação

Durante a maior parte dos 4 bilhões de anos de história do planeta, a simplicidade reinou. Micróbios unicelulares permaneceram estacionários no fundo do oceano, alimentando-se de compostos químicos como dióxido de carbono e moléculas de enxofre para decompor os alimentos.

O que mudou?

Cientistas ainda debatem o que motivou a explosão cambriana, mas a teoria mais popular é que o oxigênio na atmosfera da Terra começou a aumentar lentamente há cerca de 550 milhões de anos, disse Erik Sperling, professor associado de ciências da Terra e planetárias na Universidade de Stanford.

O oxigênio proporcionou uma maneira muito mais eficiente de metabolizar os alimentos, dando aos animais mais energia para se mobilizar e caçar presas, sugeriu Sperling, que não estava envolvido no novo estudo.

“O (surgimento de) predadores deu início a essas corridas armamentistas crescentes, e então tivemos basicamente uma explosão de diferentes maneiras de fazer negócios”, disse Sperling.

Durante o Cambriano, o mar raso que cobre o Grand Canyon era especialmente rico em oxigênio graças à sua profundidade perfeita, uma zona habitável, disse Mussini, doutorando em Ciências da Terra na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Variando de 40 a 50 metros de profundidade, o ecossistema não era perturbado pelas ondas constantes da costa que se deslocavam ao redor dos sedimentos, e a luz solar ainda conseguia atingir as plantas fotossintetizantes no fundo do mar, que poderiam fornecer oxigênio.

A abundância de alimentos e as condições ambientais favoráveis fizeram com que os animais pudessem assumir mais riscos evolutivos para se manterem à frente da concorrência, disse Mussini.

“Em um ambiente com mais escassez de recursos, os animais não podem se dar ao luxo de fazer esse tipo de investimento fisiológico”, disse Mussini em um comunicado à imprensa da Universidade de Cambridge. “Há certos paralelos com a economia: investir e correr riscos em tempos de abundância; poupar e ser conservador em tempos de escassez.”

Muitas descobertas de fósseis de corpos moles antes desta vieram de regiões com ambientes hostis, como a formação de Burgess Shale, no Canadá, e Maotianshan Shales, na China, observou Susannah Porter, professora de ciências da Terra na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, que não estava envolvida no estudo.

“Não é improvável que os paleontólogos, num futuro distante, tenham grandes registros fósseis da Antártida, onde ambientes frios e rigorosos forçaram as pessoas a se adaptarem. … Mas depois encontrem grandes fósseis humanos na cidade de Nova York, onde as pessoas prosperaram”, explicou Porter. “Temos a oportunidade de ver diferentes tipos de pressões evolutivas que não são de onde é muito frio, muito quente, não há muita água.”

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