Cidade no Peru vira polo de aventura nos Andes após desastre natural

Yungay já foi a capital original da região, com aproximadamente 20 mil habitantes

Rochelle Beighton, da CNN
Yungay Nuevo
Yungay Nuevo, ou “Novo Yungay”, vem se consolidando como base para o turismo de aventura  • Rochelle Beighton/CNN via CNN Newsource
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Se você está planejando uma trilha pelos Andes, no Peru, é bem provável que o caminho leve até Huaraz. Capital da região de Ancash, no norte do país, Huaraz é conhecida como a porta de entrada para a Cordilheira Branca e, muitas vezes, chamada de “Suíça do Peru”.

Essa cidade em grande altitude se tornou a base preferida dos viajantes que seguem rumo ao Parque Nacional Huascarán para encarar algumas das 50 trilhas reconhecidas desse Patrimônio Mundial da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Mas, ao se concentrar em comprar mantimentos e se acostumar ao ar rarefeito, você pode deixar de lado uma cidade próxima: Yungay.

A apenas 1h20 de ônibus de Huaraz (cerca de 56 quilômetros), Yungay já foi a capital original da região, com aproximadamente 20 mil habitantes, conhecida como a “Pérola do Corredor do Huaylas” — nome dado a esse vale espetacular. Hoje, é fácil atravessá-la sem prestar muita atenção.

À primeira vista, parece uma típica cidade agrícola andina, com casas simples distribuídas em ruas íngremes e plantações de milho que avançam em direção às montanhas. Mas Yungay guarda uma das histórias mais trágicas do Peru.

Em 1970, uma avalanche glacial devastadora desceu do Monte Huascarán, soterrando Yungay e povoados vizinhos sob milhões de toneladas de terra.

“Em três minutos, desapareceu. Em três minutos, toda a cidade de Yungay deixou de existir”, conta Juan Márquez Sánchez, guia local do Campo Santo, o memorial a céu aberto que marca onde ficava a antiga cidade.

Da capital à catástrofe

Em 31 de maio de 1970, às 15h23, um terremoto atingiu a região de Ancash, provocando uma avalanche catastrófica do nevado Huascarán. O que se seguiu é considerado o deslizamento mais mortal já registrado.

Do topo da montanha mais alta do Peru, uma enorme porção de gelo e rocha se desprendeu, liberando uma onda de pedras, gelo e lama que avançou em direção a Yungay a mais de 290 km/h.

“Dizem que se movia mais rápido que um carro, um estrondo mais alto que trovão sacudia o chão. A avalanche engoliu tudo pelo caminho”, relata Sánchez.

Yungay estava exatamente na rota. A cidade foi soterrada sob algo entre 50 e 100 milhões de metros cúbicos de destroços, cobrindo casas, estádio, igrejas — e milhares de vidas.

O número exato de mortos nunca foi confirmado, já que muitos corpos não foram recuperados. Estima-se oficialmente cerca de 18 mil vítimas.

Pesquisas e relatos de sobreviventes indicam que pouco mais de 400 moradores conseguiram escapar.

Os únicos sobreviventes em Yungay no momento da avalanche foram 92 pessoas que estavam no cemitério, construído sobre uma colina artificial. Outros ainda conseguiram subir a mesma colina, um dos poucos pontos poupados da destruição.

O pai de Sánchez foi um deles. “Ele me contava como correram para salvar a vida, subindo o máximo que podiam enquanto a montanha rugia atrás”, diz.

“As pessoas naquele morro tiveram sorte, mas viram a cidade sumir diante dos olhos. A lama parecia areia movediça, então tiveram de permanecer ali, expostos ao frio e à fome.”

Nos três dias seguintes, helicópteros das Forças Armadas e da defesa civil do Peru levaram comida, água e remédios. Vieram também doações da Bolívia e dos Estados Unidos.

Foram resgatados os que estavam fracos demais para se mover, recebendo socorro até a chegada das equipes de busca.

Cerca de 300 crianças da cidade sobreviveram porque estavam em um circo montado em um estádio no alto da cidade. Os moradores dizem que foi o palhaço quem as guiou para a segurança.

A mãe de Sánchez também sobreviveu, aos nove anos de idade. “Ela não gosta de falar sobre isso. É muito delicado. Aqui, até se diz que, quando você fotografa o Huascarán, a montanha se envergonha. Ela sabe o que aconteceu e não quer ser mostrada. Se esconde nas nuvens, como se tivesse culpa”, ele explica.

O novo Yungay

Hoje, onde ficava a antiga Yungay, tudo permanece intocado. Após a tragédia, o governo peruano declarou a área cemitério nacional, proibindo reconstrução e moradia. Apenas parentes das vítimas podem erguer lápides.

Em 1982, o local foi aberto como memorial e zona turística, o Campo Santo. O que resta ali são fragmentos de uma vida interrompida.

Caminhando pelo Campo Santo, ainda se veem quatro palmeiras originais no centro da antiga praça. Elas resistiram protegidas pela catedral, antes uma imponente construção colonial. Hoje, restam pedaços de suas paredes de pedra e uma cruz simples no lugar do altar.

“Na hora do terremoto, havia um casamento. O padre correu até a sacada e chamou as pessoas para dentro da igreja, achando que era mais seguro. Mas a avalanche chegou e cerca de dois mil morreram ali mesmo, sem sobreviventes”, conta Sánchez.

A poucos quilômetros dali fica Yungay Nuevo, fundado em julho de 1970, semanas após a avalanche, em terreno mais seguro, dois quilômetros ao norte e protegido de riscos glaciais.

Nas últimas cinco décadas, o novo assentamento cresceu, com ruas asfaltadas, áreas abertas e serviços públicos melhores. O marco mais recente foi a inauguração do hospital regional.

Inaugurado em janeiro de 2025, o prédio de quatro andares foi construído com tecnologia antissísmica de ponta, incluindo um sistema avançado de drenagem para enfrentar chuvas fortes e os efeitos do El Niño.

A cidade também aposta no turismo de aventura, já que está cercada por paisagens naturais impressionantes. Além de estar aos pés do Huascarán, fica próxima às lagoas turquesa de Llanganuco.

De lá, partem trilhas para o Parque Nacional Huascarán, como as populares Laguna 69 e Santa Cruz. Também é possível visitar as ruínas pré-incas de Chavín de Huántar, Patrimônio Mundial da UNESCO, a poucas horas de carro do outro lado do parque.

Com menos turistas que Huaraz e hospedagens mais acessíveis, Yungay oferece uma alternativa prática e tranquila.

Além disso, o valor do ingresso do Campo Santo vai diretamente para projetos de desenvolvimento local, ajudando a trazer Yungay de volta à vida como a cidade vibrante que já foi.

“O turismo é vital para Yungay. Ele nos ajuda a sobreviver e nos recuperar. Cada visitante que vem ao Campo Santo ajuda a reconstruir e a manter viva a memória da comunidade”, conclui Sánchez.

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