Falta até cimento: lojas de construção sofrem com desabastecimento de insumos
Lojistas relatam desabastecimento de matéria prima; produtores aguardam para confirmar se alta da demanda vai se manter
Apontado como um dos setores que mais sofreria com as medidas de isolamento social, o segmento de construção conseguiu recuperar rapidamente o movimento. Mas se a demanda cresceu nos últimos meses, embalada pela injeção de renda e uma mudança no perfil de cliente, a queda no valor das compras e a falta de matéria-prima tornaram o processo de retomada mais lento (e caro) para esse mercado.
Mesmo diante da crise imposta pelo coronavírus, mais de 54% dos lojistas de materiais de construção registraram aumento nas vendas em julho, na comparação do mesmo período de 2019. Para maio, o percentual foi de 42% dos líderes do varejo que reportaram um crescimento. Apenas em abril, houve retração da demanda.
Os dados são do Termômetro Anamaco, levantamento feito pela associação do varejo de construção em parceria com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Ainda de acordo com a pesquisa, os destaques dos últimos três meses foram os produtos básicos, como cimento, cal e areia — responsáveis por 32% das vendas —, seguidos por tintas e vernizes (26%) e material elétrico (23%).
Esses números mostram, de acordo com os lojistas, que a demanda está voltada para reformas e obras pesadas, e não mais para pequenos reparos, jardinagem e decoração, como acontecia no início da pandemia. Foi o que contou o CEO da Telhanorte, Juliano Ohta, em entrevista à CNN Brasil.
“Nosso setor não estava esperando esse crescimento. O que tem nos surpreendido nos últimos meses foi uma procura muito grande por materiais básicos para construção e reforma. Há, inclusive, falta de cimento no mercado, o que tem trazido um desafio para nós e para as construtoras e clientes no geral”, disse.
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O presidente da Telhanorte não é o único a reportar falta de matéria-prima no mercado de construção. O CEO da Casa do Construtor, rede especializada em aluguel de maquinário para obras, disse que se surpreendeu quando, ao fazer uma encomenda de novas ferramentas, os produtores relataram falta de aço no mercado. Até agora, a rede registrou um aumento de 55% na procura pelo aluguel de maquinário.
“O nosso grande desafio tem sido, sim, a matéria prima. Nosso fornecedor de máquinas e equipamentos, está tendo uma dificuldade muito grande com o aço. Toda a produção foi direcionada para a exportação. Primeiro porque o nível de consumo nacional realmente caiu e, em segundo lugar, porque o dólar alto favorece essa operação”, explica Altino Cristofoletti, presidente da rede.
Além disso, houve relatos de falta de PVC e derivados de madeira, como MDF. “O setor está vivendo um crescimento inesperado que nenhum fabricante ou varejista estava prevendo. Está faltando a parte básica, acabamentos, produtos importados, ferramentas, utilidades domésticas, um pouco de tudo. Mas o que está gerando mais impacto são os básicos, como cimento”, disse Ohta, da Telhanorte.
Em relação à suprir a demanda de cimento no mercado e perspectivas de voltar a produzir com a capacidade total das fábricas, o presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), Paulo Camillo, disse que “a questão do desabastecimento tem uma relação direta com a alta demanda das reformas e a continuidade das obras e aquecimento do mercado imobiliário que está pontuada”.
Obedecendo à regra básica de qualquer ecossistema econômico, enquanto isso, os preços sobem. O fio de cobre, por exemplo, chegou a dobrar de preço em poucos meses, conforme o relato dos varejistas. Mas os comerciantes entendem que esse movimento obedece à escassez de produtos no mercado e não a práticas abusivas.
O superintendente da Anamaco, Waldir Abreu, concorda e explica que o problema é ainda mais profundo. Conforme disse em entrevista ao CNN Brasil Business, não faz sentido para o produtor retomar a operação a pleno vapor quando o aumento da demanda está vindo de pequenos consumidores pessoa física e não mais de grandes empreiteiras e construtoras.
“Quando você desliga um forno de uma fábrica de cerâmica, por exemplo, você leva um ano, às vezes dois anos, para reestabelecer a produção. Dali para frente, é só custo. Não tem como não subir os preços. Você parou a fábrica, demitiu pessoas. O empresário precisa fechar o balanço. Ele ajusta preço”, comenta.
Para o superintendente da Anamaco, esse aumento da demanda não sustenta um “religamento” da indústria de insumos de construção. Primeiro, porque terminado o período de auxílio emergencial, as pessoas físicas vão deixar de consumir. E em segundo lugar, porque essa demanda não se compara ao mercado que os produtores precisavam abastecer antes: de construtoras e empreiteiras.
Falta de planejamento?
Abreu ainda ensaiou uma controvérsia: “Não diria que falta material”. Segundo ele, os lojistas que cortaram estoque, com medo da queda na demanda nos meses de isolamento social, agora sofrem para atender a seus clientes.
E defendeu ainda a indústria do Brasil. “A nossa indústria é muito competente: entrega muito rápido, a logística é muito boa e os distribuidores são grandes atacadistas. Lojinha pequena não pode reclamar, porque a indústria é rápida. Lojista que reclama de falta de produto é incompetente”, disse.
Ohta, da Telhanorte, negou que a rede reduziu os estoques nos primeiros meses da pandemia. De acordo com ele, o movimento foi justamente o contrário: “O que fizemos, logo no início, foi deixar uma ‘gordurinha’ de 5% a 10% do nosso estoque, mas foi embora rapidinho”.
De acordo ainda com o SNIC, as vendas de cimento no Brasil subiram 18,9% em julho ante mesmo mês de 2019, para 5,9 milhões de toneladas. No acumulado do ano até julho, as vendas mostram evolução de 6,5% sobre o mesmo período de 2019, para 32,96 milhões de toneladas. O órgão atribui 80% dessa demanda a reformas e obras do setor imobiliário residencial.
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