Sorveteria na África tem sabores com peixe seco, pimenta e até insetos

Tapi Tapi é uma das sorveterias mais comentadas na Cidade do Cabo hoje. O motivo? As receitas inusitadas criadas por um biólogo molecular que usa apenas ingredientes africanos

Jo Munnikda CNN

Espremido entre uma livraria de segunda mão e uma loja de discos no subúrbio charmosamente sujo de Observatory, na Cidade do Cabo, há um quadro-negro que diz “Tapi Tapi – sorvete africano autêntico e artesanal”.

O salão se tornou um dos estabelecimentos de alimentação mais comentados da Cidade do Cabo desde sua inauguração, em outubro de 2020. E em sua pequena cozinha, o biólogo molecular do Zimbábue, Tapiwa Guzha está criando sabores de sorvete como ninguém.

Entre as sugestões do dia, marcados no balcão da cozinha brilhante, estão:

Peixe seco kapenta salgado, caramelo e pimenta vermelha caribenha
Folhas de blackjack secas ao sol e caramelo
Milho maltado
Hibisco, cravo e anis

Usando apenas sabores indígenas do continente africano, o sorvete de Guzha se tornou a ferramenta através da qual ele está ressignificando a narrativa em torno da comida africana.

“Este (é) sorvete para minha identidade, para o bem de outras pessoas”, disse Guzha à CNN.

“Acho que a história da comida (global) não tem muito espaço para a África… A menos que estejamos olhando para a ideia genérica de comida africana”, acrescenta. “Não estou tentando apelar para o universo global – estou tentando ajudar as identidades negras a desfrutar de sua cultura com mais regularidade”.

Os ingredientes

Guzha usa ingredientes e sabores para representar todas as regiões do continente, indo além das cozinhas mais conhecidas como a etíope ou a nigeriana, diz.

Ele se inspira em todos os lugares – uma conversa, um cheiro, uma refeição, uma saudade do oceano. Forragear e até mesmo pesquisar no Google desempenham um papel nesse processo. “Você tem que pesquisar e pesquisar e pesquisar até encontrar algum tipo de verdade”, diz ele.

Andando pela sua sorveteria, os ingredientes com os quais ele vai brincar hoje estão espalhados como um banquete. Milhete vermelho, encontrado em todo o continente (“terroso e noz”, diz ele). Ervilhas verdes secas ao sol da África Ocidental e uma leguminosa chamada noz-tigre.

Uma seleção de ingredientes provenientes de todo o continente africano e usados nos sorvetes Tapi Tapi. Peixes e insetos ficam ao lado de nozes e outros ingredientes de sorvete mais conhecidos/ Jo Munnik for CNN

Da África Oriental, Central e Austral existe o peixe kapenta seco ao sol e curado com sal, conhecido como Matemba (“sabor de peixe salgado e moderado”).

Da África Austral, ele escolheu lagartas secas de Mopane, um favorito local (“mastigável, crocante e com sabor de nozes”).

Tudo isso em breve se transformará em sabores de sorvete que certamente surpreenderão, chocarão, deleitarão os comensais.

“Realmente não faço a ideia tradicional de combinações de sabores”, explica ele. “Eu faço o que eu gosto e vejo o que sai. Então eu posso literalmente combinar qualquer um deles com o que eu quiser.”

Outro ingrediente com o qual ele gosta de brincar é Mphepho, uma erva usada na medicina tradicional da África Austral, que acredita-se canalizar o mundo espiritual. Mas Guzha argumenta que tem muito mais propósitos e, ao criar um sorvete a partir dele, espera expandir a compreensão das pessoas sobre essa planta mais sagrada.

“Esse é um dos problemas que estamos tentando resolver”, diz ele. “As pessoas são tão inconscientes de suas próprias práticas culturais. Não estou dizendo que sou um especialista… mas certamente podemos ajudar as pessoas a perceberem muito mais sobre si mesmas.”

Houve uma reação, diz Guzha: “Algo assim realmente abala as pessoas… questionando exatamente o que você está tentando fazer com a cultura delas. Não estou pedindo permissão. Você não precisa ser um observador de sua cultura; você pode ser um participante dela. E as pessoas muitas vezes esquecem que elas realmente têm permissão para contribuir com sua cultura, sua jornada e os sistemas de conhecimento.”

Mas, embora os ingredientes possam ter raízes antigas, o cardápio do Tapi Tapi não está remoendo o passado. Apesar de ter criado mais de 800 sabores, diz ele, nenhum sabor se repete.

“É deliberado, porque não estamos tentando competir contra outras culturas”, acrescenta Guzha. “Isso anula todo o objetivo do que estou tentando fazer aqui.”

A receita

Tapiwa Guzha, dono da sorveteria Tapi Tapi/ Jo Munnik for CNN

Mas como um biólogo molecular com pós-doutorado se torna o fundador de uma das sorveterias mais famosas da Cidade do Cabo?

Por acaso, diz Guzha. Tudo começou quando ele estava assistindo a um programa de culinária onde eles usavam gelo seco para bater sorvete. Como cientista, ele tem acesso à substância, então começou a experimentá-la em casa. Outras pessoas acharam intrigante – “especialmente como uma pessoa negra, dizer que você faz sorvete, é ainda mais ultrajante”, diz ele com uma risada.

Guzha se descreve como um “cientista com uma mente curiosa”. Para ele, os dois chapéus que usa representam diferentes partes de sua identidade.

Mas o ponto de virada veio quando ele percebeu que o sorvete tem o poder de transportar as pessoas para casa; para oferecer algo mágico e nostálgico – especialmente para sua clientela negra.

“(Se estou falando com) outra pessoa negra, é, ‘Ei, eu não sabia que poderia fazer isso com minha cultura ou minha identidade.’ Eles saem sabendo um pouco mais sobre si mesmos”, diz ele. “E talvez ansiosos para explorar sua identidade novamente e voltar para casa e se reconectar com alguma parte de suas origens tribais”.

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