Conheça ilha na Espanha que tem mais gatos do que pessoas

Nueva Tabarca tem cerca de 50 pessoas e quase o dobro de felinos

Miquel Ros, da CNN
gatos, ilha
No dia em que a CNN internacional visitou, os gatos eram mais numerosos que os visitantes nas ruas da ilha  • Miquel Ros via CNN Newsource
Compartilhar matéria

As ilhas mediterrâneas da Espanha se tornaram sinônimo de estilo de vida e lazer.

É bem provável que você já tenha ouvido falar do arquipélago das Baleares. Todos os anos, milhões de turistas desembarcam em Maiorca, Menorca, Ibiza e Formentera para explorar vilarejos caiados, aproveitar praias intocadas, mergulhar na atmosfera relaxada — e, em alguns casos, se jogar na vida noturna.

Um pouco mais ao sul, porém, existe outra ilha espanhola que reúne boa parte dessa magia mediterrânea, mas segue praticamente desconhecida.

Basta olhar o mapa da Espanha, dar um zoom no canto sudeste e, com atenção, é possível identificar um pequeno traço alongado diante da cidade de Alicante.

Trata-se da ilha de Nueva Tabarca, uma faixa de terra plana e diminuta que se estende por apenas 1.800 metros de comprimento e cerca de 400 metros em seu ponto mais largo. Ali vivem, de forma permanente, cerca de 50 pessoas — o que faz de Tabarca a menor ilha habitada da Espanha.

O que falta em tamanho sobra em patrimônio natural e cultural. Seu isolamento preservou a paisagem da especulação imobiliária que transformou trechos vizinhos da Costa Blanca.

Mesmo assim, Tabarca está longe de ser remota. Oficialmente parte de Alicante, fica a poucos quilômetros da costa. Diariamente, barcos com fundo de vidro levam visitantes do porto pesqueiro de Santa Pola até a ilha.

Essa pequena separação geográfica foi suficiente para dar a Tabarca uma personalidade própria — marcada, sobretudo, por uma história singular do século XVIII que conecta a ilha à Itália e ao norte da África.

De Tabarka a Nueva Tabarca

O farol é um dos marcos históricos de Tabarca • Miquel Ros via CNN Newsource
O farol é um dos marcos históricos de Tabarca • Miquel Ros via CNN Newsource

O “Nueva” no nome é uma pista. Entre 1500 e 1800, o coral vermelho da antiga ilha de Tabarka — localizada na costa norte da Tunísia — era um produto valioso.

No século XVI, a família genovesa Lomellini obteve concessão dos governantes locais para explorá-lo. Já em meados do século XVIII, a comunidade contava com cerca de 2 mil habitantes, em sua maioria de origem genovesa.

Em 1741, no entanto, forças do Bei de Túnis invadiram a ilha, escravizando moradores e espalhando temor pelo Mediterrâneo ocidental. Reis da Espanha e da Sardenha ofereceram refúgio aos que conseguiram escapar e pagaram resgates para libertar os cativos.

Os sobreviventes que chegaram à Espanha foram reassentados em uma pequena ilha árida então chamada Illa Plana, ou “ilha plana”, que passou a ser batizada de Nueva Tabarca, em memória da terra perdida.

O novo assentamento foi planejado. Inspirado nas ideias iluministas da época, engenheiros militares traçaram um grid urbano preciso, ainda visível hoje. Ruas largas e retas se cruzam em ângulos retos e convergem para uma praça central. Uma muralha erguida ao redor protegia os moradores dos frequentes ataques de piratas bárbaros.

Nem todos os tabarquinos migraram para a Espanha. Parte deles encontrou abrigo na Sardenha, onde o rei Carlo Emanuele III de Savoia os instalou nas ilhas de San Pietro e Sant’Antioco, fundando as vilas de Carloforte e Calasetta. Até hoje, seus descendentes falam o dialeto “tabarquino” e preservam tradições próprias.

Nos últimos anos, houve esforços para reconectar as três comunidades tabarquinas. Em 2024, cerca de 75 representantes se reuniram em Pegli, perto de Gênova, terra de seus antepassados. Chegou-se até a cogitar a candidatura da saga tabarquina à lista de Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco.

Enquanto esse reconhecimento não vem, a Tabarca espanhola já desfruta de proteções oficiais. Em 1986, tornou-se a primeira reserva marinha do país. Dois terços de seu território seguem intocados e pouco explorados. O mar ao redor funciona como refúgio para a vida marinha.

Na parte urbanizada, um terço da ilha, casas tradicionais foram transformadas em hospedagens de curta temporada para turistas que buscam escapar do ritmo agitado da Costa Blanca.

A ilha dos visitantes de um dia

O charme de Tabarca não passou despercebido, nem mesmo fora da Espanha.

Segundo María del Mar Valera, restauratrice local e presidente da APEHA, associação de empresários de hospitalidade de Alicante, visitantes estrangeiros chegam a representar de 80% a 90% do total.

A maior parte são excursionistas que passam apenas um dia. Cerca de 20 pequenos negócios atendem em torno de 200 a 250 pessoas — embora de forma estritamente sazonal. “No inverno, ninguém aparece”, conta Valera.

Numa sexta-feira tranquila de início de outono, as ruas estavam quase desertas. Gatos aproveitavam o sol da tarde em número bem maior que os humanos. Um estudo de 2023 estimou que havia o dobro de gatos em relação a moradores. A amplitude e o traçado regular das ruas, incomuns em vilarejos mediterrâneos, reforçavam a sensação de calma.

Algumas semanas antes, o cenário era outro. “No auge do verão, recebemos seis ou sete mil visitantes por dia — já chegamos a 10 mil em dias de pico”, relata Valera.

O problema, segundo moradores, é que assim que os turistas vão embora, a ilha volta a ser esquecida, inclusive em termos de serviços públicos.

A baixa oferta de transporte entre novembro e março, quando a frequência das balsas despenca, é uma das principais queixas, afirma Carmen Martí, presidente da associação de moradores.

“É muito difícil levar uma vida normal quando mal conseguimos ir e voltar do continente no mesmo dia”, diz ela. Alguns idosos, inclusive, deixaram Tabarca pela dificuldade de acesso a cuidados médicos.

A associação reivindica que os habitantes da ilha tenham os mesmos benefícios garantidos a outros residentes insulares da Espanha, como transporte público assegurado e descontos nas passagens para o continente. Martí também apoia a criação de um sistema eletrônico de ingressos para quem visita Tabarca, o que permitiria medir com precisão o fluxo de turistas e planejar serviços de forma adequada.

Entre preservação e turismo

Assim como outros destinos do Mediterrâneo, Nueva Tabarca tenta equilibrar preservação e turismo. Em maio de 2025, a cidade de Alicante aprovou uma nova legislação para proteger o patrimônio arquitetônico local.

“Estamos trabalhando para preservar elementos arquitetônicos valiosos que existem na ilha”, explica José Manuel Pérez, responsável pelo patrimônio municipal. “Além do centro histórico, também avaliamos futuros usos para o forte da ilha”, diz, referindo-se à torre fortificada que, até pouco tempo atrás, abrigava uma pequena guarnição militar.

A construção, solitária em meio a meio quilômetro de vegetação rasteira em uma parte desabitada, divide a paisagem com um farol e um cemitério.

Do alto, é possível ver os arranha-céus de Alicante no horizonte — lembrando que Tabarca oferece algo cada vez mais raro no Mediterrâneo: um espaço moldado em proporções humanas.

Acompanhe Viagens e Turismo nas Redes Sociais