Não gostei do meu prato, e agora?! Chefs contam como lidam com a situação

Especialistas de casas renomadas contam como encaram aquela situação, sempre desconfortável, de pratos devolvidos. Será que o cliente tem sempre razão?

O cliente tem sempre razão?
O cliente tem sempre razão? Foto de Lefteris kallergis na Unsplash

Tina Binido Viagem & Gastronomia

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Em 2021, um vídeo do chef norte-americano Dominick Purnomo viralizou na internet. Na cena de poucos segundos, ele registrava sua incredulidade após um cliente de seu restaurante, ao norte de Nova York, devolver um prato de steak tartare sob o argumento de que a carne estava…crua!

Quem trabalha em cozinha sabe que faz parte do trabalho lidar com eventuais insatisfações, mas o cliente tem mesmo sempre a razão? Para os chefs ouvidos pela reportagem, depende.

“O cliente pode solicitar a troca de um prato sempre que ele achar que sua execução não está de acordo com a descrição do cardápio ou com alguma especificação do seu pedido, a exemplo do ponto de uma carne”, diz Fellipe Zanuto, responsável pelo sucesso de casas como Hospedaria e A Pizza da Mooca, ambas em São Paulo .

“A gente sempre recebe bem essa questão, sabe que erros acontecem e o cliente tem todo o direito de reclamar, mas há ocasiões em que ele muda de ideia na hora em que recebe o pedido e pede para trocar por outra sugestão. Aí é uma atitude ruim”, pondera.

 

No caso de Purnomo, o steak tartar – uma clássica receita composta de carne crua temperada – foi salteado em uma frigideira e mandado de volta à mesa, conforme o desejo do cliente.

André Mifano, titular do restaurante Donna, nos Jardins, em São Paulo, pondera que em muitos casos existe uma questão de falta de referência por parte do comensal. “Às vezes ele não conhece muito bem a receita. Já passei por situações em que a pessoa pediu um carbonara, mas esperava algo com bacon e creme de leite. Quando recebeu uma massa feita conforme o original, com guanciale e muita gema, ele voltou o prato por ter gosto de ovo. Precisamos considerar que ninguém tem a obrigação de saber de tudo.”

O posicionamento de Mifano é endossado por Luca Gozzani, chef-executivo do Fasano. “Pela filosofia do grupo, sempre se tende a dar razão ao cliente, mesmo que ele não entenda nada do prato em questão.”

Apesar de pouco recorrente, Gozzani diz que acontece de pratos serem mandados de volta à cozinha e que cada caso é um caso. “Nessas situações, a gente identifica se houve efetivamente um erro no sabor ou no cozimento e só aí decide o que fazer.” O mais comum, segundo ele, é pedirem para mudar uma guarnição ou mesmo por algo que não está no cardápio. “O Fasano não é um restaurante autoral, onde o cliente vai provar as criações do chef, então há essa possibilidade.”

Já a chef Tássia Magalhães, que nessa semana comemora os dois anos de sucesso do seu Nelita, que figura na lista dos 50Best Restaurants América Latina, diz que é raro essa situação acontecer, mas quando acontece a equipe do salão está treinada para conversar com o cliente, entender por qual motivo ele não gostou e, independente da razão, sempre oferecer uma nova opção que se adeque mais as expectativas do comensal.

Ela ressalta que é importante ter essa conversa franca para entender se teve um erro na execução, se o prato foi “apresentado” pela equipe de maneira equivocada ou se realmente apenas não agradou o paladar do cliente.

“Queremos que todos os nossos visitantes saiam com a melhor experiência e memória possível do Nelita. Por isso, nas poucos vezes que isso aconteceu, fizemos questão de compreender o que gerou esse descontentamento”.

Mifano diz que o trabalho de um cozinheiro é algo “subjetivo”. “Nós criamos pratos para centenas de milhares de pessoas, não para uma pessoa só. Então nosso propósito é um só: fazer comida boa.”

Segundo ele, “se o prato sai da cozinha com algum problema, que passou por todo mundo, não existe desculpa: o restaurante está errado e o pedido deve ser trocado, jamais cobrado”. Para Zanutto, esse é sempre um tema delicado. “A gente se preocupa com cada prato que volta, tenta sempre entender o que aconteceu, pois tudo o que sai da cozinha é provado.”

De acordo com o Procon-SP, o consumidor tem amparo no Código de Defesa do Consumidor para solicitar a troca ou mesmo a devolução do prato “caso o estabelecimento sirva algo que não esteja condizente com o que está descrito no cardápio, ou quando as imagens dos pratos nos cardápios ou folhetos seja muito diferente daquilo que foi efetivamente servido.”

A entidade, por meio de comunicado, afirma ainda que “o consumidor deve sempre tentar entrar em acordo com o estabelecimento, de forma amigável e de boa-fé”.

“Caso não consiga, recomendamos que execute o pagamento e posteriormente procure seus direitos registrando a reclamação via Procons – nos casos de danos materiais. Porém, caso ocorra alguma espécie de ameaça à integridade física ou mesmo moral, o cliente pode, sim, acionar a Polícia e, posteriormente, a Justiça”, conclui.

No fim, o que impera é o bom senso. “Se o cliente dá duas garfadas e solicita a troca do prato, a gente oferece uma outra sugestão e não cobra pelo primeiro. Agora, quando ele só apresenta alguma queixa depois de comer o prato inteiro, aí não há o que fazer”, finaliza Mifano.


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