Entre comunidades e trilhas: uma expedição por rios da Amazônia paraense

Saindo de Alter do Chão, barco percorre ecossistemas fluviais para mostrar a força das comunidades ribeirinhas e a exuberância da fauna e flora do Pará

Daniela Filomeno, do Viagem & Gastronomia
Daniela Filomeno em cruzeiro fluvial no Pará
Daniela Filomeno a bordo do Amazon Dolphin, que realiza cruzeiros fluviais por ecossistemas do Pará  • CNN Viagem & Gastronomia
Compartilhar matéria

Como brasileiros, temos o dever de visitar a Amazônia ao menos uma vez na vida. Essa é uma bandeira que defendo desde a primeira vez que pisei na pontinha deste vasto território. Ao longo da minha trajetória como viajante profissional, pude conhecer diversas facetas do bioma, e uma das minhas preferidas é a que reúne rios e povos ribeirinhos, que enxergam o turismo de base comunitária como ferramenta de sustento e de preservação da floresta.

Essas são as características da Amazônia paraense, que tem entrado no radar de ambientalistas, chefs e viajantes por conta de sua riqueza natural e cultural. A atenção dobrou neste momento, já que estamos prestes a receber a tão aguardada 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30.

Com líderes mundiais reunidos em Belém, o Brasil vive uma oportunidade ímpar de mostrar seu potencial no turismo sustentável, assim como suas maravilhas culturais e gastronômicas para o resto do mundo. Foi com esse espírito que embarquei com a equipe do CNN Viagem & Gastronomia na missão de percorrer os mais diversos cantos do Pará.

O resultado? Uma temporada especial de cinco episódios que entrelaça saberes, sabores e lições para um turismo mais consciente e autêntico. Comecei esta jornada na vila de Alter do Chão, em Santarém, que, desta vez, foi ponto de partida para descobertas pelos rios da região. No caminho, fui presenteada com paisagens e ensinamentos de lavar a alma, além de encontros com povos indígenas, comunidades ribeirinhas e uma fartura gastronômica. Bem-vindos ao Pará!

Pelos rios da Amazônia paraense

A partir de Alter do Chão, embarquei em uma expedição de cinco dias por três ecossistemas fluviais que cortam o estado: o rio Tapajós, o Arapiuns e o Amazonas. “O Tapajós é o rio de água azul-esverdeada; o Amazonas, de água barrenta; e o Arapiuns, de água negra”, descreve Martin Frankenberg, coidealizador e sócio da Kaiara - Amazônia Essencial.

A empresa é especializada em expedições fluviais pelo Pará e nasceu com o objetivo de mostrar as riquezas do estado para conscientizar a preservação da floresta, tudo com muito respeito e apoio de comunidades locais. Assim, a Kaiara promove um turismo de experiências com uma frota de três embarcações.

Uma delas é a Amazon Dolphin, a maior da empresa, que acomoda até 24 viajantes em 11 cabines — algumas até com beliches para acomodar famílias com crianças. Bastante procurado por grupos de amigos, o barco tem um deque superior aberto para vivenciarmos com calma todo o esplendor da região, que ganha contornos ainda mais belos no pôr do sol.

Refeições com ingredientes locais estão inclusas, com oportunidade de apreciarmos desde tacacá, que mostra toda a potência gastronômica e cultural do estado, até pato no tucupi e arroz com farinha de saúva.

A Kaiara tem opções de roteiros que duram de quatro a seis dias, com diferentes experiências ao longo do caminho. Viagens privativas com rotas desenhadas também podem ser fechadas, mas, independente da escolha, a jornada nos reserva trilhas, mergulhos em igarapés, passeios de canoa e contato com comunidades que nos mostram sua arte, sua comida e seu dia a dia.

Comunidades e trilhas

Trilha do Piquiá leva viajantes até uma Samaúma, árvore colossal que chega a 70 metros • CNN Viagem & Gastronomia
Trilha do Piquiá leva viajantes até uma Samaúma, árvore colossal que chega a 70 metros • CNN Viagem & Gastronomia

Subindo o rio Tapajós, a cerca de 2h30 de Alter do Chão, a Comunidade de Jamaraquá é uma das primeiras paradas da embarcação e uma das mais interessantes da Floresta Nacional do Tapajós. Aqui, entramos na mata pela Trilha do Piquiá, em que nos surpreendemos com uma exuberante Samaúma, chamada pelos nativos de "mãe da floresta".

A árvore destoa das outras e pode chegar a 70 metros de altura, com mais de um século de vida. É daqueles momentos em que nos sentimos pequenos diante de algo maior - e nem falo só do seu tamanho.

Depois da trilha, somos recompensados com um mergulho refrescante no igarapé de águas cristalinas, um braço de rio no meio da floresta. A visita termina ao lado dos moradores no coração da própria comunidade, que unem arte e natureza, já que produzem biojoias feitas de látex e sementes. As seringueiras são plantadas nos quintais e o conhecimento é transmitido de geração em geração.

Outra comunidade que faz parte do roteiro é a Coroca, à beira do espetacular Arapiuns, em frente à Praia do Caracaraí e de Ponta Grande. A comunidade reúne 50 famílias, com cerca de 150 pessoas, e tem o turismo sustentável como fonte de renda e identidade.

O principal atrativo é o criadouro de tartarugas-da-amazônia, em parceria com o Ibama. São mais de cinco mil delas e chegamos pertinho do berçário e do lago onde se reproduzem. O objetivo é tirá-las do risco de extinção e garantir a subsistência.

“O turismo nos deu uma outra visão e a possibilidade de desenvolvermos a economia na comunidade. As tartarugas, além de serem um atrativo, são um tesouro para a região”, conta Olinaldo Santos Pereira, guia de turismo local. Além das tartarugas, algumas com quase 30 anos, a comunidade também aposta na produção de méis e no tingimento de roupas com folhas e sementes da floresta, uma espécie de técnica "tie-dye" da Amazônia.

Educação e produção de farinha

Também à beira do Arapiuns, em uma ponta de areia, a Aldeia Atodi é composta por 60 famílias, que promovem a colheita de buriti para vender em Alter. Aqui há trilhas e restaurante de comidas típicas, mas o mais interessante é que deixar nosso mundo de lado e entrar no cotidiano da comunidade, vendo de perto a escola local e a biblioteca comunitária, um grande exemplo de expansão de horizontes.

Passeios de canoa no fim da tarde e mergulho no igarapé também são atrativos, mas aproveitei o fim do dia para tomar um banho de cheiro, oferecido pelas mulheres da aldeia com ervas e essências que ajudam a atrair boas energias.

Outro traço dos ribeirinhos da região é a produção artesanal de farinha, ingrediente fundamental nas mesas do Pará. Referência nessa produção, a Comunidade São Marcos nos chama para colocar a mão na massa. Estar aqui é entender a importância desse tipo de turismo, que beneficia a Amazônia com o resgate de histórias, aproximação de culturas e compromisso com a floresta.

Por fim, no Canal do Jari, que se liga ao rio Amazonas, o turismo de base comunitária também dá as caras no quintal da Dona Rosângela Siqueira, que representa a quinta geração fazendo esse trabalho. Ela mantém a Trilha das Preguiças, que se transforma de acordo com a época do ano.

No verão, o local vive a temporada de seca, com trilhas feitas a pé pela mata. Mas é no inverno, com a temporada de cheia, que a água domina a área, em que apreciamos a fauna e a flora a bordo de canoas. Junto de Rosângela, podemos avistar tucanos, macaquinhos e bichos-preguiças.

Além de toda a bagagem cultural que levamos de volta para a casa, constatei que a expedição fluvial é uma ótima viagem para ser feita em família, ao lado dos filhos. A educação ambiental e a preservação da floresta são sementinhas que devemos plantar desde cedo.

 

Acompanhe Viagens e Turismo nas Redes Sociais